A criminalidade violenta na cidade de João Pessoa

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Considerações finais
O crescimento da taxa de homicídios e dos demais tipos de crimes vem ocorrendo em todo o país. Suas causas têm sido estudadas por pesquisadores de diferentes ciências. No Brasil, a literatura sobre violência, criminalidade e, em particular, sobre homicídios, é farta. Nas ciências sociais, esses trabalhos foram objetos de mapeamentos elaborados por Zaluar (1999); Lima, Misse, Miranda (2000). Muitas são as causas apontadas, não só para os homicídios, mas para a violência como um todo. Qualquer quantidade de causas da criminalidade que seja listada será sempre insuficiente para alcançar toda a complexidade que envolve a questão. Pinçamos seis dessas causas citadas de forma genérica pela maioria dos estudiosos para verificar suas aplicabilidades à situação específica de João Pessoa.
Uma das causas da criminalidade mais citada pelos pesquisadores é o crescimento da desigualdade social e econômica da sociedade urbana. Não se pretende afirmar que o crime seja produto exclusivo da miséria humana. Mas entendemos que essa situação provoca uma série de outras causas que podem se combinar e dar margem a práticas delituosas, às vezes até em decorrência do instinto de sobrevivência, ou em razão da própria criminalização, imposta por vicissitudes perpetradas pelas classes dominantes. A pobreza gera dificuldades na educação, capacitação profissional e a decorrente limitação de mercado de trabalho, saúde, moradia, lazer, transportes e outras consequências.
A desigualdade social tende a aumentar em quantidade e qualidade com o crescimento da população urbana, em particular em cidades que não apresentam potencial econômico suficiente para absorver esse crescimento. Os dados expostos neste trabalho indicam que João Pessoa, nos últimos 30 anos, teve crescimento de 200% na sua população. Esse fato, por certo, pode ter contribuído para o crescimento da criminalidade violenta na cidade, o que se reflete no perfil das vítimas de homicídios e da população carcerária.
        A limitação econômica e social de considerável parcela dos jovens para alcançar seus objetivos também concorre para o aumento da criminalidade. Vivemos em uma sociedade de consumo, onde os meios de comunicação impõem uma cultura na qual os bens materiais se tornam marcas de distinção social altamente desejáveis. Assim, a impossibilidade de alcançar determinados bens pelos meios convencionais e legais tornaria a via criminosa potencialmente atrativa para jovens, mais suscetíveis a essas demandas.
Nesse particular, não há diferenças entre as aspirações de jovens pobres e aqueles de classe média ou alta. Mudam apenas os valores dos bens desejados e as formas adotadas para sua obtenção. Como integrante da aldeia global, a população jovem de João Pessoa recebe influência dos meios de comunicação de todo mundo, tanto as positivas como as negativas. Os delitos praticados em todos os grandes centros urbanos do país, em razão das causas aqui mencionadas, também são registrados em João Pessoa. O exemplo mais marcante dessas práticas é a forma indevida de uso de automóveis em via pública, assim como a utilização abusiva dos equipamentos de som desses veículos em locais impróprios para esse fim, o que ocorre com mais frequência nas proximidades da orla marítima da cidade.
        A redução do poder disciplinar da família sobre os filhos, em todas as classes sociais, é outro fator que muito contribui no crescimento da criminalidade violenta na sociedade moderna. É em família que as crianças começam a aprender os limites e as normas para o convívio social e são iniciadas no sistema social de sanções (punições e recompensas pelos atos condenáveis ou premiáveis). Essa perda de poder se daria com o aumento do tempo em que as crianças são deixadas sozinhas devido ao crescimento da proporção de mães inseridas no mercado de trabalho (não só pela busca de autonomia em relação aos homens, mas principalmente pela necessidade de compor a renda familiar), à redução da presença constante dos parentes na vida urbana e ao aumento das famílias monoparentais. Com essa menor proteção familiar, as crianças iriam para as ruas cedo e ficariam mais vulneráveis à influência de infratores ou grupos violentos.
A quantidade de adolescentes infratores apreendidos por prática de delitos, e a constatação de repetidos casos de jovens da classe média envolvidos nos mais variados tipos de crimes na cidade é uma constatação dos reflexos dessas causas.
A perda ou redução do sentimento de religiosidade, perceptível em todas as faixas etárias da população, também contribui para o crescimento da violência e da criminalidade. Historicamente, a religião foi um instrumento de controle social de elevada importância. Entretanto, os meios de controle moral das religiões sobre os fiéis perderam poder de coerção dos atos de violência. Nesse sentido, a religião, principalmente a católica, professada pela maioria da população brasileira, estaria exercendo menos influência na vida das pessoas. Essa situação é amenizada pelo crescimento no Brasil das igrejas evangélicas e da renovação carismática católica, as quais têm grande preocupação em estabelecer limites e regras para o comportamento dos fiéis. São exemplos dessas medidas as restrições ao uso de álcool e de drogas. Algumas até desenvolvem trabalhos específicos com uso de terapias próprias destinadas a recuperar dependentes químicos. Mas os resultados ainda são pouco expressivos, tendo em vista a extensão do problema. O enfraquecimento ou a total ausência de sentimentos de religiosidade e o declínio da capacidade disciplinar dos pais sobre os filhos dificultam a formação de sentimentos éticos e morais o que pode levar os indivíduos a práticas de atos antissociais. Em João Pessoa as consequências dessa falta de religiosidade são constatadas pela boa acolhida dos evangelizadores no interior dos presídios.
           O crescimento do mercado de drogas e de armas de fogo no país é também um importante fator concorrente para a criminalidade. No Brasil, o mercado de droga passou por grande transformação a partir da década de 1980, quando os varejistas saíram da situação de empregados para a de homens de negócios, e passaram a assumir eles mesmos os riscos e os lucros pelas vendas aos consumidores através de intermediários. Essa terceirização levou à ampliação dos competidores e o aumento ou manutenção das vendas passou a depender da capacidade do vendedor de controlar áreas. Logo, a violência se torna instrumento essencial na conquista e defesa desses territórios. Nessa mesma época, como consequência da necessidade de manutenção desse poder, surgiu o mercado clandestino de armas. Em princípio, essa realidade era quase exclusiva dos grandes centros urbanos, em particular Rio de Janeiro e São Paulo. A evolução dos negócios exigia novos mercados e aos poucos foi se estendendo aos outros estados.
Essas atividades, que atualmente são desenvolvidas por organizações hierarquizadas e voltadas para a obtenção do lucro a qualquer custo, tiveram uma maior expansão na Paraíba, e em particular em João Pessoa, no decorrer da década de 1990. A partir de então, como aconteceu em todo o país, jovens carentes das periferias de João Pessoa passaram a ser aliciados para o tráfico de drogas. Diante da situação vivenciada por esses jovens, o tráfico oferecia oportunidade de autoafirmação. Soares (2000) afirma que o tráfico oferece ao adolescente a oportunidade de romper com a exclusão social em que está inserido, pois o acesso a armas e a dinheiro proporciona-lhe reconhecimento, respeito e o fim da invisibilidade social.
Dessa forma, o tráfico e uso de drogas de todos os tipos ganhou uma projeção que se tornou uma atividade de difícil controle. Em João Pessoa, conforme dados expostos neste trabalho, existe tráfico e uso dos mais diversos tipos de drogas, com destaque para maconha e o conhecido crack, usado predominantemente por pessoas de baixo poder aquisitivo. Cocaína e outros tipos de drogas mais sofisticadas são consumidas por integrantes de outras camadas sociais. Não é possível um levantamento quantitativo e qualitativo dos usuários ou traficantes de drogas na cidade, mas o senso comum indica que a cada dia esse problema se agrava na cidade.
Informações não oficiais dão conta de que em João Pessoa já existem armas sofisticadas em poder de organizações criminosas que são utilizadas em práticas de crimes contra o patrimônio ou contra a vida de devedores da rede do tráfico. São armas obtidas através do comércio clandestino internacional. Repetidas matérias publicadas pela imprensa local indicam que revólveres, pistolas e espingardas de grosso calibre, com as respectivas munições, são negociadas em conhecidos locais da cidade, sendo sempre citada a feira de Oitizeiro como um desses pontos. Drogados e armados, jovens e adultos, das mais variadas camadas sociais, se tornam potenciais infratores. A quantidade de crimes praticados com armas de fogo e de pessoas detidas por porte ilegal de armas na cidade, expostos neste trabalho, constatam a influência do crescimento desse mercado paralelo de armas no aumento da criminalidade.
         A ausência e a fraqueza do estado também é fator um dos fatores concorrente para ao crescimento da criminalidade. A falta de políticas públicas efetivas que garantam os direitos básicos da população é a forma mais marcante de demonstração da fraqueza e às vezes até a total ausência do estado. A deficiência do estado no enfretamento das questões relacionadas à educação, saúde, habitação, mercado de trabalho, saneamento básico e outros temas dessa natureza é constantemente discutida nos meios acadêmicos e pelos mais diversos seguimentos da sociedade.
Conforme ficou exposto neste trabalho, grande quantidade de homicídios e de crimes contra o patrimônio cometidos na cidade fica impune. Esse fato gera o sentimento de impunidade e impede que a ameaça de sanção atue como um eficiente mecanismo dissuasivo de infrações. Como ficou expresso, os meios materiais e humanos colocados à disposição da Polícia Civil são insuficientes em quantidade e qualidade adequadas para que a instituição possa cumprir seu papel constitucional. Com isso, as atividades de investigações, que são essenciais no trabalho da polícia judiciária, ficam comprometidas.
A quantidade de homicídios registrados em João Pessoa no decorrer da última década e que coloca a cidade em sexto lugar entre as capitais mais violentas do Brasil evidencia que a Polícia Militar também não está conseguindo cumprir seu papel preventivo na forma desejável. Mesmo tendo triplicado a quantidade de guarnições motorizadas para o serviço preventivo e repressivo durante o segundo semestre de 2008, a incidência de crimes contra o patrimônio continuou em crescimento.
O andamento dos processos criminais é lento, tendo em vista a existência de uma elevada quantidade de processos em cada uma das varas criminais. Se a Polícia Civil conseguisse apurar convenientemente todos os homicídios ocorridos na cidade, os dois tribunais do júri existentes na comarca não seriam suficientes para julgar todos os casos. A quantidade de inquéritos policiais que é devolvida às delegacias para diligências complementares e que não retornam em tempo hábil e com os elementos indispensáveis para oferecimentos das denúncias impede o cumprimento do papel do Ministério Público.
A legislação substantiva e adjetiva penal, que delimita as ações de todos os órgãos do sistema de persecução criminal, aí incluindo o Ministério Público, o Poder Judiciário e o sistema penitenciário, tem sido objeto de constantes críticas, e se mostrado inadequada para enfrentar o atual quadro da criminalidade. O estado, através do poder competente para esse fim, não tem promovido as mudança clamadas pela sociedade.
Os dados sobre o sistema penitenciário do estado, em particular dos presídios da capital, que aqui foram expostos, atestam que o estado descumpre a Lei de Execuções Penais ao não garantir condições condignas à população carcerária, o que fica caracterizado pela constatação de quantidade de presos bem maior do que a capacidade dos presídios, e principalmente pela falta de atividades que permitam a reeducação dos apenados,
A esses fatores, ligados diretamente com as questões relacionadas com se segurança pública, acrescente-se a ausência ou deficiência dos serviços públicos básicos em áreas onde residem populações carentes. Além da falta ou baixa qualidade de serviços como, por exemplo, os de educação, saúde e saneamento básico, constata-se também em bairros periféricos a ausência de atuação do estado em relação às atividades de segurança pública.
O somatório dessas deficiências torna o estado, aqui considerado não só o ente federativo, mas o poder público como um todo, fraco ou ausente nessas questões, o que contribui de forma significante para o crescimento da criminalidade.

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