A emancipação do Corpo de Bombeiros da Paraíba

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A emancipação do Corpo de Bombeiros da Paraíba resultou da atuação, durante oito anos, de um grupo de abnegados Oficiais daquela Corporação, cujos fatos a esse respeito são registrados em um texto de autoria do Coronel Ricardo Rodrigues. A narrativa é objetiva, didática e expõe detalhes dos bastidores dessas ações que, em seu conjunto, foram importantes na consecução dos objetivos do grupo.

O autor do texto, um dos protagonistas dessa saga, sistematiza o tema em três tópicos, nos quais são relatados a sequencia dos fatos que pela  importância do seu conjunto se constitui um  valioso documento histórico daquela Corporação.

O Corpo de Bombeiros da Paraíba foi criado em 1917, como uma Companhia orgânica da Polícia Militar. Portanto essas instituições tiveram uma história comum durante 90 anos. Dessa forma, o tema abordado pelo Coronel Ricardo Rodrigues constitui um fato histórico da Polícia Militar, e o registro de acontecimentos dessa natureza constitui a essência deste site. Portanto, entendemos como um honroso dever a sua publicação, que é o que passamos a fazer.

                           A emancipação do Corpo de Bombeiros da Paraíba

                                                                 Ricardo Rodrigues da Costa – Cel. R/R

  1. Os passos iniciais

​Nos idos de 2000 o Corpo de Bombeiros Militar da Paraíba vivia um dos piores momentos de sua história com deficiências de toda ordem, enquanto presenciávamos o progresso vertiginoso de muitos Corpos de Bombeiros do Brasil, em especial os de Pernambuco e Rio Grande do Norte que se limitam territorialmente ao sul e norte com nosso Estado.

​Era a febre da Emancipação dos Corpos de Bombeiros do Brasil impulsionada pela Constituição Federal de 1988, que no seu artigo 42 criou os Órgãos Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, anteriormente  restrito ao Distrito Federal e Rio de Janeiro ( por haver  sido a capital do Brasil).

​Temos ainda o fato de que a formação da maioria esmagadora dos Oficiais foi no Distrito Federal e Brasília, locais onde os Corpos de Bombeiros eram autônomos e isto despertava o sentimento de libertação da Polícia Militar e consequentemente possuir autonomia administrativa e operacional.

​Enfrentávamos no ano de 2000 e anteriores uma enorme crise com carência de toda ordem, a exemplo de:

  1. a) no campo administrativo: - limitados recursos de manutenção das Unidades Operacionais; - estruturas precárias e no caso do Quartel Central, sem recursos para manutenção da valorosa estrutura existente; - Cargo de Comandante do Corpo de Bombeiros de Tenente Coronel o que limitava seu acesso ao Governo; - Dificuldade de Comunicação e apoio das Diretorias da Polícia Militar, que nos viam como estranhos ou talvez policiais de segunda classe, dentre outros;
  2. b) no campo operacional: - Viaturas sucateadas e, em sua maioria, originárias da Gestão exitosa do Coronel Geraldo Cabral de Vasconcelos; - Precariedade de Jó dos equipamentos de combate a incêndio e salvamento existentes, bem aquém do mínimo necessário, cito como exemplo que no caso de vítima presa entre ferragens dispúnhamos de machado, picareta e cordas velhas que serviam para amarrar no caminhão e tentar abrir a ferragem para chegar na vítima; - equipamento de proteção individual se limitava a um capacete tipo francês utilizado por gerações passadas e que não garantia a segurança mínima de proteção a caixa craniana, visão e face.
  3. c) No campo de estímulo: tínhamos um quadro de Oficiais criado em 1977 e estrutura em 1986 que na década de 90 conseguiu interromper o fluxo de carreira de toda oficialidade, chegando ao cúmulo de termos Tenentes com 14 ou quinze anos de serviço que foram o meu caso e os de Rufino, Guedes e Josemário, enquanto os Oficiais do Quadro da PM e do Quadro de Saúde ascendia aos postos superiores com fluidez e normalidade.

​Tínhamos o primeiro Oficial Bombeiro no Comando do Corpo de Bombeiros e saudosa memória do Coronel Silvio Lins que conduziu com maestria o seu tempo de comando da Corporação, pessoalmente mantive uma excelente relação com ele.

​Todo estes ingredientes supracitados, associada à nova norma vigente,  exemplos dos Estados vizinhos e ideologia de liberdade  foram construindo a coragem de alguns poucos Oficiais e a vontade de todos para alcançarmos a autonomia ou Emancipação do Corpo de Bombeiros Militar da Paraíba e no ano de 2000, mas precisamente no aniversário de 83 anos de existência do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar da Paraíba um grupo, dentre os quais me insiro, sugeriu uma Sessão Especial na Assembleia Legislativa para homenagear esta data como pano de fundo para fazermos uma exposição de nossas carências, perspectivas, projetos e contextualização de comparação com os demais Corpo de Bombeiros Militares do Brasil.

Participei diretamente do evento e me engajei totalmente na Sessão Especial e fui junto com alguns poucos Oficiais (lembro bem de Coronel Guedes, Silva, Tenente Coronel Vilmar e outros) a casa Epitácio Pessoa e visitamos inicialmente os gabinetes do então Deputado Estadual Vitalzinho (lider do Governo na época) e expomos a ele a proposta e ao sair do gabinete do Deputado Vitalzinho nos dirigimos ao gabinete do Deputado Estadual Sargento Denis e fizemos a mesma proposta. Ocorreu que na mesma semana, ambos fizeram a mesma propositura e findo por termos uma Sessão Especial conjunta dos 02 ( dois) Deputados.

A partir daí fui, juntamente com alguns poucos Oficiais e visitamos o gabinete de todos os deputados convidando para Sessão Especial de aniversário do Corpo de Bombeiros.

Apresentávamos os dados comprobatórios da nossa situação de dificuldades administrativa e operacional, as referências dos Estados vizinhos e de outros Corpos de Bombeiros emancipados. Pedíamos o apoio na aprovação da Legislação que tínhamos em mãos, decorrente dos benefícios que traria a sociedade paraibana.

Levamos  a proposta da criação da taxa de Incêndio (FUNESBOM) para se arrecadar os recursos necessários ao suprimento da carência de Jó da Corporação naquela época, havia ainda a ideia de recolhimento no IPTU.

​Convidamos os Comandantes Gerais de alguns Estados cujos Corpos de Bombeiros eram emancipados.  Pessoalmente convidei e tive a confirmação do Comandante Geral do Corpo de Bombeiros Militar de Sergipe, com quem nutria boa relação de amizade, desde época da Academia.

​Diante da estrutura e do LOB político construído, ingressamos na apresentação do dia “D”, que seria uma oportunidade ímpar e teríamos que passar a mensagem desejada.  Tínhamos os dados em mãos e sugerimos que o Comandante fosse preservado, devendo um outro Oficial apresentar, daí surgiu o dilema de quem apresentaria.

​Percebíamos a preocupação de alguns oficiais com as consequências e possíveis retaliações do Comando da PMPB, porém não havia como retroceder e o Coronel Lins convocou uma reunião, a nosso pedido, para tratar dos eventos de aniversário de fundação do Corpo de Bombeiros da Paraíba, em particular a Sessão Especial na Assembleia Legislativa. Lembro que conversei com Rufino no corredor e antessala do comando sobre a importância da apresentação e os dados que já dispúnhamos para construção dos slides e ao entramos no gabinete da reunião sentamos próximos um do outro.

​Na reunião surgiu o fato de preservar o Comandante Lins e a indagação de quem iria apresentar e reinou silêncio na reunião.  Éramos o mais moderno e tínhamos de esperar que os mais antigos se pronunciassem e lembro que nos entreolhamos e daí Rufino com coragem disse que se dispunha a apresentar e soou como um alívio para alguns.

​Para mim Rufino preenchia todos os requisitos para o sucesso da apresentação na Sessão Especial, desde a boa oratória, o conhecimento, a inteligência e para alguns outros o fato de não está exercendo função de confiança.

Foi pensando neste último item que decidi ser o auxiliar direto no fornecimento de dados e como também, fiquei controlando o power point na hora da apresentação ao lado dele todo o tempo que permaneceu exposto a retaliações e expondo os slides (eu era comandante da Subunidade de Guarabira).

​O plenário da Casa Epitácio Pessoa estava lotado por Bombeiros nas galerias e Oficiais do Corpo de Bombeiros e de outros Estados no plenário a exemplo dos Comandantes Gerais dos Corpos de Bombeiros Militares de Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. Também estavam presentes os Deputados Vitalzinho e Denis como propositores e o Presidente

Infelizmente os Alunos Oficiais Bombeiros não puderam participar por ordem do Comandante Geral da PM da época, pensando em esvaziar o evento.

​A exposição foi perfeita e um caso me chamou atenção,  foi o Comandante Geral da PM que estava na mesa das autoridades ter começado a conversar paralelamente com alguém ao seu lado no momento da apresentação, a fim possivelmente de desviar a atenção de Rufino.  Ao perceber a manobrar enquanto estava no controle do power point, passei a acenar positivamente para Rufino, a fim dele manter o foco.

 Graças a Deus todas as autoridades presentes saíram convencidas de que o melhor para o Corpo de Bombeiros da Paraíba era a Emancipação. Rufino concluiu sua apresentação espetacularmente com a história da renovação águia.

​O que conquistamos daí!  Infelizmente não foi o esperando!

Ocorreu que o Coronel Lins foi influenciado na época e aproveitaram o LOB político e sucesso da Apresentação de Rufino e transformaram o Pedido de Emancipação em pedido de aprovação da taxa de bombeiros (FUNESBOM) e no dia  27 dezembro de 2000 foi aprovada a Lei 6.946 de criação da taxa de Prevenção contra Incêndio e Salvamento de Veículos Automotores para o Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado da Paraíba.

​Ao saber da manobra fui até o Coronel Lins e contestei o fato, porque ele abriria os olhos do Poder da Polícia Militar para o controle de tal recurso, que na Lei ficou a cargo do Comandante do CCB e a nosso proposta era que viesse com ou após a Emancipação.

Conversei posteriormente com alguns Deputados sobre o que faltava aprovar e eles disseram que pensavam que estavam aprovando todos os nossos pedidos feitos nos gabinetes.

Deixamos de ser  “relações públicas da Polícia Militar” e passamos a ser o “primo rico”, bem como foi desmontado o argumento da carência administrativa e operacional.  A perseguição a gestão de Horácio no ano de 2003 (escândalo do FUNESBOM) foi o fato que comprovou a afirmação feita outrora.

  1. O  FUNESBOM

No mês de outubro de 2002 a Paraíba e os demais Estados da Federação foram palco do pleito eleitoral e o candidato à reeleição pelo PMDB Roberto Paulino, apoiado pelo ex-governador José Maranhão foi derrotado nas urnas pelo ex-prefeito de Campina Grande Cássio Cunha Lima.

Os fatores que levaram a derrota de Roberto Paulino foram muitos que vão desde a pré-candidatura de Ney Suassuna pelo partido até o acidente automobilístico em plena campanha eleitoral da Senhora. Fátima Paulino, esposa de Roberto.

A vitória de Cássio ao Governo do Estado mudou toda estrutura de Poder em todos os ESBOM do Governo, inclusive na Polícia Militar e os Oficiais que haviam permanecido em funções intermediários no Governo do PMDB agora tiveram ascensão aos cargos e funções de mais poder.

 No Corpo de Bombeiros assumiu o meu amigo Tenente Coronel Horácio e na Polícia Militar assumiu outro Comandante Geral. Na época fui o único Comandante de Subunidade do Corpo de Bombeiros a permanecer na função de Comando, digo que foram pelos laços sociais e de amizade decorrente do estilo de trabalho desenvolvido.

  O novo Comandante da PMPB foi muito bem assessorado e ao assumir o Comando adotou atos com vistas a sufocar a Emancipação, dentre eles cito os seguintes: O Coronel Rufino (então Tenente) que fez uma exposição na Assembleia sobre Emancipação foi transferido para trabalhar  no Comando Geral da PMPB; O Tenente Coronel Vilmar (então Ten) tornou-se ajudante de ordens do Comandante Geral; O Coronel Silva (então Capitão) foi comandar  a Unidade do Bombeiros de Campina Grande e Coronel Guedes (então Tenente)  assumiu o Comando da Unidade de Patos.

Eu, Silva, Guedes e Vilmar eram os que participavam diretamente nas ações voltadas à Emancipação, inclusive sempre arriscávamos mais do que outros.

Outro ato diferente de tudo que ocorreu no Corpo de Bombeiros até então foi a redução de interstício exclusiva para os Oficiais do Corpo de Bombeiros na promoção de 2003 e que atenderam pouquíssimos Oficiais. Pessoalmente não sei que gesto de bondade foi esse do Comando Geral Nunca havia ocorrido na história recente uma redução especifica para Oficiais do Corpo de Bombeiros.

O novo Comandante Geral da PMPB chegou no Corpo de Bombeiros com o discurso que ele iria Emancipar o Corpo de Bombeiros e alguns Oficiais abraçaram tal discurso e tentavam sufocar os atos “não autorizados”   pelo Comandante  Geral da PMPB sobre a Emancipação, inclusive levantavam a bandeira da hierarquia e nela a cadeia de comando para tentar inibir a busca de outros meios.

Pessoalmente percebi com um grupo menor que o discurso do Comandante Geral da PMPB era diferente da prática e a promessa de Emancipação era retórica  Inclusive ouvimos de alguns Oficiais da PMPB ser uma anomalia da Lei permitir que outro, que não fosse o Comandante Geral da PMPB, gerir os recursos oriundos da Lei que determinava a arrecadação da Taxa no licenciamento de veículos automotores do Estado.

Havia uma cobrança implacável ao Comando do Tenente Coronel Horácio e o resultado foi um dossiê com apenas 06 meses de Comando e sua destituição.

Os ingredientes que se apresentavam na época, associados a boa relação com Horácio e a pressão por ele sofrida fez com que eu ressurgisse com a ideia de nova Sessão Especial da Assembleia Legislativa. Com aval de Horácio fui até o Deputado Sargento Denis, acompanhado de Vilmar e Guedes e solicitei dele a propositura de outra Sessão Especial para reacendermos no novo Governo a chama da Emancipação e novamente o pano de fundo seria o aniversário de 86 anos de criação do Corpo de Bombeiros.  Fui atendido prontamente por ele.

Sabíamos que não poderíamos contar com Rufino (então Tenente), porque ele exercia função de confiança do Comandante Geral e não poderíamos expô-lo. Então foi aventada a hipótese de determinado Capitão substituir Rufino e eu prepararia todos os dados e slides da apresentação e assim aconteceu.

 Levantei todos os dados com o Tenente Coronel Montezuma (então Tenente) e preparamos toda apresentação para o dia da D.  Não tínhamos a carência de equipamentos e viaturas porque com os recursos arrecadados de 2000 até 2002 o Coronel Lins, comandante da época, adquiriu viaturas novas para todas as Unidades e Subunidades, equipamentos, dentre outros e foi então que focamos a apresentação em outros horizonte que seriam:

  1. a) o fato de estarmos prontos para Emancipação; b) a burocracia da hierarquia nos distanciava da cúpula do poder e com isso havia uma ineficiência na aplicação dos recursos com desperdício do erário público e perda de tempo operacional indispensável a salvamento de vidas humanas; c) tratamos ainda das carências que permaneciam dos recursos de manutenção das unidades e; d) demonstramos a evolução dos Corpos de Bombeiros emancipados e atraso dos não emancipados e o futuro que nos esperava com a Emancipação.

A ideia da Sessão Especial e sua concretização ocorreram em curto espaço de tempo e lembro que conseguimos convidar os Comandantes do Corpo de Bombeiros de Pernambuco e Rio Grande do Norte. Porém um fato novo surgiu na tarde do dia anterior a apresentação: o Capitão que iria apresentar no dia seguinte chegou para mim e disse simplesmente que não iria mais apresentar e saiu. Eu e o então Tenente Montezuma ficamos paralisados com tal atitude informada apenas na tarde anterior ao dia da apresentação. Porém sempre com Deus como guia fui até a sala do Comandante Horácio e disse a ele que seria eu quem iria apresentar e Montezuma iria me apoiar nos slides.

Não irei levantar flores sobre minha apresentação da Assembleia Legislativa em junho de 2003, porém garanto que a exemplo da primeira apresentação de Rufino tudo saiu conforme o objetivo traçado e a participação de Deputados e bombeiros foram maciços.  Todos os presentes saíram novamente na certeza de que o melhor para o Corpo de Bombeiros e para a Polícia Militar era a Emancipação.

Não demorou sequer 30 dias da apresentação e estourou o chamado Escândalo do FUNESBOM e o mote na Polícia Militar era que o Corpo de Bombeiros não estava preparado para assumir o FUNESBOM.  Um Coronel da Polícia Militar assumiu o Comando de Corpo de Bombeiros e daí foi preciso parar para refletir, deixar a poeira baixar e só então seguir em frente.

Continua na página 2

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