A PM da Paraíba no combate ao bandidismo

Compartilhe!

A PM da Paraíba no combate ao bandidismo no interior do Estado escreveu uma importante página da sua história através de muitas lutas que desenvolveu contra grupos armados que afetavam a ordem pública no interior do Estado e que ficaram conhecidos como grupos de cangaceiros. Essas ações eram executadas por pequenos grupos de policiais, denominados de Patrulhas Volantes, que percorriam todo sertão paraibano, nas condições mais precárias de transportes e comunicações, dispondo de escassos meios de sobrevivência e com o emprego de armamento de baixo poder ofensivo.

Para participar das volantes era necessário muita abnegação, envolvimento com a causa, e, sobretudo, muita valentia e destreza física, pois, com frequência entrevam em lutas corporais com o emprego de arma branca.

 Esses fatos constituem uma particularidade na história da corporação que ensejam a necessidade de prévias observações que permitam uma melhor compreensão de tais circunstâncias.

 É o que passamos a abordar.

  1. A polícia contra os pseudos justiceiros

 A história de qualquer instituição, pública ou privada, pode ser contada através de uma análise da forma de agir dos seus integrantes no exercício de suas funções ao longo dos tempos. Essas ações também expressam o comportamento da sociedade e os valores por ela adotados em determinados momentos de sua evolução. Assim, a maneira como são desenvolvidas as atividades dos componentes dos órgãos públicos podem melhor espelhar as condições sociais, políticas e econômicas de cada época.

Nesse contexto a forma de atuação dos policiais militares no cumprimento de suas funções merece especial atenção. Os fatos que passamos a narrar exemplificam bem situações dessa natureza.

Uma das principais atividades das forças policiais no nordeste, no período de 1880 e 1938, era o combate aos grupos armados que agiam no sertão e eram mais conhecidos como cangaceiros. As condições econômicas, sociais e políticas dessas regiões, naquela época, muitas delas ainda hoje existentes, faziam parecer que esses grupos atuavam como justiceiros, o que foi alimentado pela literatura.

Estejam essas teorias dos “bandidos justiceiros” corretas ou não, o fato é que suas ações perturbavam o sossego das populações causando problemas de ordem pública, o que exigia atuação do Governo através das forças de repressão. Nesse cenário todas as Polícias Militares do nordeste, na época com diferentes denominações, desenvolveram ações através de grupos de policiais que passaram a ser conhecidos como Patrulhas Volantes.

As condições de trabalho dos policiais eram precárias. Os meios de transportes, comunicações, armamentos, munições e fardamentos eram deficitários. A arma mais comumente utilizada pela Polícia era a “maluliche”, uma espécie de fuzil com bem menor capacidade ofensiva. Todos os policiais que integravam essas patrulhas também portavam armas brancas de forma ostensiva e, como ocorriam muitas lutas corporais, faziam uso delas com muita frequência.

 Na Paraíba, os grupos de cangaceiros mais famosos foram os de Antonio Silvino, até 1920, o e de Lampião, até 1938, com os quais a Polícia da Paraíba travou combates. Mas existiram muitos outros igualmente nocivos à sociedade que agiam na Paraíba e em outros estados do nordeste. As condições materiais dos cangaceiros não eram diferentes das dos policiais. Uma das maiores dificuldades dos policiais era o suprimento de alimentação, o que fazia a Polícia, por vezes de forma abusiva e arbitrária, requisitar mantimentos da população, principalmente da zona rural. O mesmo ocorria com os cangaceiros.

  1. O perfil de um Comandante de Volante

Na Paraíba muitos Oficiais se destacaram nessas atividades. Entretanto, os registros dessas ações são raros e quando existentes são fragmentados, o que dificulta uma análise sistemática Para exemplificar a forma de atuação desses grupos e dos seus Comandantes, vamos relatar algumas ações desenvolvidas por um Oficial que teve o cuidado de registrar em arquivo pessoal, sua participação em ações desse tipo.

Trata-se o Major Genuíno Bezerra que nos legou uma farta documentação, muitas da quais originas, o que lhe empresta a devida confiabilidade. Desses arquivos sintetizamos os dados que passamos a expor.

   As informações sobre as ações desses grupos no interior do Estado chegavam diretamente ao Governador, em comunicações feitas pelos Juízes, Prefeitos, Delgados de Polícia, lideranças políticas ou de proprietários rurais.

As informações eram feitas através de telegramas emitidos pelos serviços de telegrafia da Rede Ferroviária, que se utilizava do código Morse. Quando isso ocorria o Comandante da Polícia recebia ordens para destacar efetivos com a finalidade de coibir tais práticas. Eram então formadas patrulhas compostas em média por dez homens, sob o comando de Oficiais, que seguiam de trem até onde isso fosse possível.

 Daí para frente o deslocamento era feito a pé, ou a cavalos doados ou requisitados em cada cidade, uma vez que não há registros da Polícia possuir, naquela época, outra forma de transporte. O critério de escolha dos integrantes dessas Patrulhas Volantes era o voluntariado, a experiência em ações desse tipo, a coragem e a destreza física dos policiais que às vezes precisavam entrar em lutas corporais. Era o mesmo perfil dos cangaceiros. Era comum uma Volante passar dois ou três meses seguidos em diligências, mas os registros encontrados nos Boletins são lacônicos.

Os Oficiais que preenchiam esses requisitos eram escalados para essas missões com mais frequência. Entre eles podem ser citados nomes como Irineu Rangel, Manuel Viegas, João Costa e Manuel Benício. Eram homens de poucas letras, como se dizia na época, mas que eram afeitos às lutas, valentes e destemidos, o que era essencial para esse tipo de serviço. Era raro ocorrer uma prisão, pois, quase sempre, os cangaceiros fugiam ou eram mortos.

Os comunicados a esse respeito, feitos pelos Comandantes das Patrulhas, via radiogramas, ofereciam poucos detalhes, sendo constatado, com frequência, o uso de expressões do tipo “grupo debelado”.

Mas, no decorrer dessas lutas o Major Genuíno Bezerra ganhou notoriedade não só pelas qualidades indispensáveis ao Comandante de uma Volante, mas, sobretudo, por ser um autodidata, o que por si só já lhe diferenciava, e ser uma pessoa de fino trato e com fácil circulação nos meios políticos, o que lhe permitiu ocupar importantes funções na Corporação, além de ter sido nomeado Prefeito de cinco cidades do Estado.

2.1 Genuíno Combatente

 Natural de Guarabira, Genuíno Bezerra ingressou na Polícia Militar em 1898. Foi Soldado, Sargento, Alferes e Tenente.  Em 1910 foi promovido ao posto de Capitão e no ano seguinte a Major. Exerceu as funções de Delegado de Polícia em Teixeira, Pombal, Patos, Piancó, Souza e diversas outras cidades do sertão e do brejo. Foi Subcomandante Geral da Polícia Militar, e Comandante interino da Corporação entre o período de 1913 a 1924,  além de ter exercido  as funções de Assistente Militar do Governador Camilo de Holanda (1916/1920).

 A lista de suas ações como comandante de Volantes é extensa, mesmo sem maiores detalhes, cuja omissão talvez se justifique por cautelas legais. São telegramas que expressavam uma dura realidade. Registramos alguns dados das diligências mais importantes.

 Em 1907, Genuíno empreendeu luta contra grupos armados que infestavam a vila de Teixeira, forçando os bandidos a fugirem. Ainda em dezembro daquele ano a sua Patrulha seguiu para Pombal, aonde prendeu seis conhecidos bandidos que tinham obrigado ao juiz local a se retirar da cidade.

 Em 1908, por ordem expressa do Governador da Paraíba, a Patrulha de Genuíno entrou no sertão do Ceará e deu cabo ao cangaceiro José Alves que apavorava a região. No mesmo ano eliminou José Luiz, conhecido bandido que atuava na área de Piancó. Ainda naquele ano, quando combatia o grupo de Antônio Silvino, em São João do Cariri, ficou ferido ao cair de um cavalo.

 Em 1909, em São João do Cariri, entrou em luta contra um grupo de cangaceiros que resultou na prisão de três bandidos e na morte de dois policiais. O grupo de cangaceiros liderados por Antônio Silvino tentou invadir a cidade de Sousa, em 1910, mas foi impedido pela ação da Volante comandada pelo Capitão Genuíno.

Entre 1911 e 1912, as ações de Genuíno se concentraram na região de Monteiro, onde ocorriam as lutas contra os grupos armados liderados por João Santa Cruz. Era um movimento que tinha cunho político, uma vez que pretendia, através da instalação de um clima de desordem, provocar a intervenção Federal no Estado com a consequente deposição do Presidente João Machado. Esses objetivos não foram alcançados graças às ações da Polícia Militar, nas quais o papel de Genuíno foi muito importante.

Nessas lutas muitos cangaceiros foram presos. Assim como Delegado, quase sempre em missão especial, em mais de vinte cidades, entre 1908 e 1924, o Major Genuíno também lutou contra o bandidismo.

Em 1923, em Souza, foram assassinados, o Coronel João Pereira, chefe político e Delegado da cidade, além de mais duas pessoas de sua família. A cidade ficou apavorada. Genuíno, designado Delegado Especial fez o Inquérito e prendeu o acusado, conhecido por Severino “Beliguim”. A cidade voltou à paz e homenageou Genuíno.

As qualidades do Major Genuíno foram enaltecidas na mensagem anual enviada à Assembleia Legislativa pelo Governador Camilo de Holanda que textualmente expressava:

O Major Genuíno Bezerra, uma das glórias da nossa Força Policial, assinalado pelo denodo, em sucessivos reencontros na perseguição do bandidismo, no interior do Estado, é símbolo vivo da lealdade perfeita, sempre solícito no cumprimento das ordens recebidas, sem se mostrar jamais aquém da missão.

 2.2. Genuíno Prefeito

Outros fatos marcantes na vida do Major Genuíno, que demonstram o prestígio que ele alcançou junto ao Governo do Estado durante o tempo que serviu à Polícia Militar, e que decorreu do seu diferencial perfil em relação a outros oficiais que também se destacaram no combate ao bandidismo, foram as suas nomeações para o cargo de Prefeito, portanto, como Interventor, em cinco cidades do Estado.

Entre 1937 e 1945, no período do Estado Novo, denominação conferida ao golpe de Estado dado por Getúlio Vargas, o Poder Legislativo, (Municipal, Estadual e Federal) deixou se funcionar. Não tinha eleição para Vereador, Deputado Estadual ou Federal e Senador. A legislação produzida durante esse Governo era exclusivamente através de Decreto-Lei, ou seja, só o Poder Executivo atuava na elaboração das normas jurídicas.

Também não tinha eleições para os cargos executivos. Os Governadores dos Estados eram pessoas nomeadas pelo Presidente Getúlio Vargas. Os Prefeitos eram nomeados pelos Governadores dos Estados. Portanto, Governadores e Prefeitos eram Interventores, mas suas funções eram idênticas às atuais.

Assim, na Paraíba, durante esse período, todos os Municípios foram dirigidos por Prefeitos nessas condições. Como a nomeação era da livre escolha do Governador, os interventores eram pessoas da sua irrestrita confiança. Diversos Oficiais da Polícia Militar exerceram essas funções. Sempre que o Governo tinha um problema mais grave em uma cidade, para ela nomeava um Oficial como Interventor. Resolvido o problema, o Oficial era nomeado para outra cidade também com dificuldades.

Dessa forma, o Major Genuíno Bezerra foi Prefeito nas cidades de Souza, em 1941; Conceição, em 1942; Pilar, em 1943, Teixeira, em 1944, e Piancó, em 1945. Em todas essas cidades a administração de Genuíno ficou marcada pela sua preocupação com os seguintes pontos: arborização das ruas; construção ou reforma de matadouros, cemitérios e praças; construção de cacimbas para abastecer a cidade; construção de banheiros públicos; reparação das estradas vicinais; rigor na fiscalização dos gastos públicos e nas prestações de contas.

A postura do Major Genuíno nessas funções pode ser observada através do conteúdo do telegrama dirigido ao Interventor do Estado, em 1941, pelo Prefeito Interventor de Cajazeiras, Juvêncio Carneiro, com os seguintes termos:

"Excederam à expectativa as festividades promovidas a 10 do corrente em Souza, com a inauguração de vários melhoramentos realizados pelo Major Genuíno Bezerra, causando ótima impressão sua honestidade e operosidade na gestão do governo municipal. Além da construção da cadeia pública, matadouro, praça bom Jesus, banheiros públicos e arborização, distribuiu a calculadamente três mil flagelados, víveres e fazendas, deixando em cofres trinta e seis mil reis. Saudações. Juvêncio Carneiro.

 Essa é uma síntese do perfil de um valoroso Comandante de Patrulha Volante da Polícia Militar da Paraíba que tantos relevantes serviços prestou à Corporação e à sociedade paraibana.

  A PM da Paraíba nos combates à revolta de Monteiro em 1912    

Compartilhe!


Subscribe
Notificação de
guest

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments