A PM da Paraíba nos combates à revolta de Monteiro em 1912

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Grupo armado de João Santa Cruz

 A Revolta de Monteiro de 1912 foi um movimento armado que pretendia provocar a intervenção Federal na Paraíba com a consequente deposição do Presidente João Pessoa. Aqui vamos relatar detalhes desses acontecimentos, focando nossa atenção para a participação da Polícia Militar nos combates a esses movimento.

Introdução

 
Durante as quatro primeiras décadas do Século XX, principalmente entre 1912 e 1935, a história da Polícia Militar da Paraíba foi marcada pela participação em acontecimentos dos mais importantes na historia do país e do Estado. Além das ações quer caracterizavam graves quebra da ordem pública e que ensejavam o deslocamento de grandes efetivos, nesse período também ocorreram muita operações destinadas a combater os grupos armados que atuavam nos sertões e que ficaram conhecidos como cangaceiros. Nesse contexto, também incluímos ações desenvolvidas por Oficiais da Polícia Militar da Paraíba que integraram missões da paz no continente africano.
Nesse período, a Corporação lutou, em l912 na região de Monteiro, no Cariri paraibano, enfrentando grupos armados liderados pelo caudi­lho João Santa Cruz, além da Coluna Prestes, em 1926, no Alto Sertão do Estado, travando ferrenhos combates em 1930, contra os revolucionários de Princesa Isabel, dirigidos pelo Deputado José Pereira. Ainda naquele período a corporação participou bravamente do movimento que culminou com a deposição do Presidente Washington Luis, em 1930, bem como atuou na pacificação de um movimento armado, promovido por integrantes do Exército, ocorrido em 1931, no Recife, além de ter lutado  em São Paulo, em 1932, contra a revolução constitucionalista, e finalmente, em 1935, comba­teu a intentona comunista registrada em Natal.
Em cada um desses momentos a Corporação cumpriu a missão que lhe foi confiada, sempre enfrentando dificuldades das mais diversas, e, muitas vezes, até com o sacrifício de muitas vidas. Por ter sempre cumprido sua missão, a Polícia Militar passou a ser cognominada, inicialmente pela imprensa e depois pela população, paraibana, como "Briosa Polícia Militar".
Neste capítulo,vamos abordar a participação dessa Corporação nesses eventos, analisando, de forma sintética, os aspectos sociais e políticos, de cada fato, nacional ou estadual, conforme o caso, buscando situar a história da Instituição em um contexto que permita a percepção do seu real valor.
 

 A campanha de Monteiro

 
A Campanha de Monteiro foi um conjunto de operações Policiais Militares, que ocorreu em 1911, nas regiões do Cariri e Sertão Paraibano, destinada a combater grupos de cangaceiros que, sob as lideranças de Augusto Santa Cruz e Franklin Dantas, buscavam subverter a Ordem Pública durante a campanha eleitoral para Presidente do Estado, ocorrida naquele ano.
O objetivo maior desses líderes era provocar um clima de desordem generalizada, que justificasse o Governo Federal intervir no Estado, depondo o Presidente João Machado, facilitando assim, o desenvolvimento da Campanha oposicionista que apoiava o Coronel do Exército Rêgo Barros, disputante da Presidência do Estado com o Candidato do Governo, João de Castro Pinto.

 

 A origem da revolta

 
De 1900 a 1904 a Paraíba foi governada pelo Dr. José Pelegrino de Araújo, integrante do Partido Republicano, que era chefiado a nível estadual pelo Dr. Álvaro Machado.
Na cidade de Lagoa do Monteiro, atual Monteiro, o Juiz era o Dr. José Joaquim Neves e o Promotor era o Dr. Augusto Santa Cruz. Nessa época, era comum os integrantes da Justiça e do Ministério Público participarem diretamente das atividades políticas, exercendo grandes lideranças na Área de seus Municípios. Ocorreu nessa época, uma disputa política, em que se defrontavam os Drs. Joaquim Neves e Augusto Santa Cruz, sendo este vencedor.
Dessa refrega política, surgiram fortes inimizades pessoais entre essas autoridades e seus correligionários. Buscando apoio político, ambos procuraram o Presidente do Estado, José Peregrino, que, talvez por ser egresso da Magistratura, pois era Desembargador aposentado, se aliou ao Dr. Joaquim Neves, o que contribuiu para acirrar os ânimos nos assuntos políticos daquela região. O Juiz de Sumé, Dr. Peregrino Maia, aliou-se a Santa Cruz. Esse clima de inimizade perdura por muito tempo.
Nessa época, os grupos de cangaceiros saqueavam as cidades de um Estado e fugiam para outro, dificultando o trabalho da Polícia, que não deviam atravessar as fronteiras. A Região de Monteiro, por ser fronteira com Pernambuco, era frequentemente transitada por esses grupos que invadiam ou fugiam daquele Estado.
A Polícia Militar de Pernambuco, sob o comando do Capitão Zacarias, em diligências para capturar o cangaceiro Antônio Silvino, que havia praticado diversos crimes naquele Estado, invadiu a cidade de Monteiro. Nessa ocasião, o Juiz da Cidade Joaquim Neves, inimigo pessoal do Promotor Augusto Santa Cruz, deu apoio a ação da Polícia Pernambucana e apontou Santa Cruz e seus inimigos, como pessoas que protegiam os cangaceiros. Esse fato fez com que Santa Cruz e seus aliados políticos fossem molestados pela Polícia Pernambucana.
Revoltado, Santa Cruz reuniu quantidade de cangaceiros e pessoas amigas, e depois de muita luta, expulsou a Polícia de Pernambuco daquele Município. Esse fato deu margem para que a Imprensa de Pernambuco passasse a tratar Santa Cruz como perigoso bandido e protetor de cangaceiros. Em 1910, ainda por força das inimizades políticas advindas de l904, grupos de Correligionários de Santa Cruz travam violento tiroteio com partidários de Joaquim Neves, fato ocorrido no Município de Sumé, na época denominada Santo Tomé. Esse fato resultou na prisão de Santa Cruz e de seu mais forte aliado, o Major Hugo (Major era termo honorífico, utilizado na hierarquia política local), acusados de mandantes de homicídios. Impetrado Habeas-Corpus, o Tribunal de Justiça, negou, mas o Superior Tribunal Federal concedeu.
O Dr. Pergentino Maia, aliado de Santa Cruz, já havia sido substituído pelo Dr. Eduardo Pereira. Liberado, Santa Cruz, cercado de muitos cangaceiros por ele contratados, homiziou-se na sua fazenda, denominada Areal,localizada em Monteiro. Com o andamento do processo, Santa Cruz foi pronunciado, sendo expedido pela Justiça, o seu mandado de prisão.
A polícia Militar foi encarregada de efetuar a prisão do Dr. Santa Cruz e do Major Hugo, na fazenda Areal, sendo recebida à bala. Depois desse confronto com a Polícia, Santa Cruz pediu exoneração do cargo de Promotor, sendo nomeado para substituí-lo o Dr. Inojosa Varejão. Assediado constantemente pela Polícia, na tentativa de invasão da fazenda para efetuar a sua prisão, Santa Cruz resolveu abandonar o Estado. Com essa finalidade, reuniu toda força que dispunha, sequestrou o Dr. Inojosa Varejão e outras autoridades de Monteiro e seguiu com destino ao Ceará, liberando gradativamente os reféns, à medida que se afastava da perseguição da Polícia.
No Ceará, Santa Cruz se dirigiu à cidade de Juazeiro, de onde, através do Padre Cícero, tentou negociar a venda de suas terras ao Governo da Paraíba, sem, no entanto lograr êxito. Em 1911, Santa Cruz voltou à Paraíba, disposto a refazer sua imagem. Nessa época foi iniciada a campanha sucessória da Presidência do Estado. Disposto a fazer oposição, Santa Cruz se aliou a Franklin Dantas, líder político da Área de Teixeira.
O candidato do Governo era o Dr. João de Castro Pinto, indicado por Epitácio Pessoa, que a partir de então, passou a chefiar a política estadual. Pela oposição, candidatou-se o Coronel Rêgo Barros.
O sistema eleitoral e a forma de se fazer política nessa época, com a adoção do denominado voto de bico de pena, forma quase equivalente de voto declarado, impedia que a oposição tivesse qualquer chance de vitória. A única possibilidade de vitória que a oposição teria, seria a deposição do Presidente João Machado, através de uma Intervenção Federal, que poderia ocorrer entre outros casos, quando o Governo Estadual não fosse capaz de manter a Ordem Pública no seu território. Foi exatamente o caminho que Santa Cruz escolheu, dando início a uma campanha eleitoral à base de pressão violenta, através de saques, invasões às cidades, e ameaças à população do Cariri e Sertão, planejando inclusive, chegar a Campina Grande e João Pessoa. Dessa forma, foram registradas lutas em Monteiro, Sumé, Taperoá, Patos, Santa Luzia e São João do Cariri.
 

Confrontos em Sumé

 
Os confrontos entre a Polícia e os grupos de Santa Cruz tiveram início ainda em dezembro de 1911. A Polícia Militar, tentando se antecipar a prática de desordens em Sumé, (que na época era denominada de Santo Tomé) ameaçada pelos grupos armados, partiu de Serra Branca, em direção aquela cidade no dia 27 daquele mês, sob o Comando do Capitão Augusto Lima e do Alferes José Trigueiro Castelo Branco.
Ao chegar às proximidades de Sumé, em um boqueirão, a Polícia Militar foi emboscada por um grupo de cangaceiros, sob o Comando do Major Hugo. Reagindo à ação, os comandados do Capitão Augusto levaram a melhor, fazendo os cangaceiros à se por em retirada.
 Na mesma data, a Polícia Militar ocupou a cidade de Sumé. Os Milicianos não tiveram tempo de comemorar sua primeira vitória, pois no dia seguinte, grande contingente de cangaceiros partindo da Fazenda Areal, comandados por seu "Hino", Nêgo Vicente e Germano, temidos cangaceiros, invadiram a cidade, obrigando a Tropa Policial a se retirar. Sumé ficou sob o controle de Santa Cruz.
 

A Invasão de Monteiro

 
Depois das lutas em Sumé, ocorreram em Monteiro, diversos encontros entre cangaceiros e Tropas Policiais. Na Fazenda Fortaleza, o contingente Policial do Capitão Augusto Lima, que havia combatido em Sumé, foi cercado por cangaceiros. Ao mesmo tempo, na Fazenda Carrapateiras, o contingente Policial Comandado pelo Capitão Genuíno Bezerra e pelo Tenente Elísio Sobreira, também foi cercado. Vindo de Taperoá, um efetivo Comandado pelo Tenente Raimundo Rangel de Farias, atacou os cangaceiros pela retaguarda, pondo fim ao cerco e expulsando os cangaceiros da cidade.
 

Lutas em Taperoá

 
No dia 28 de Março de 1912, grupos de cangaceiros, liderados por Santa Cruz e pelo Nego Vicente invadiram a cidade de Taperoá, na época denominada de Batalhão. A cidade achava-se guarnecida por nove Soldados, sob o Comando do Aspençada Luiz Pereira Lima, conhecido por Luiz Riscão. Aspençada era uma graduação entre Cabo e Soldado.
O chefe político da cidade, Dr. Felix Daltron, partidário do Governo e candidato a Deputado Estadual, teve sua casa invadida pelos cangaceiros. Em atitude de humilhação, os cangaceiros desfilaram na cidade exibindo peças íntimas da mulher do Dr. Felix Daltron, numa afronta a moral e aos bons costumes. Na Coletoria, foram quebrados quadros com fotografias do Presi­dente João Machado. Houve ameaça de se queimar os selos, porém Santa Cruz, conhecedor da Lei, impediu que isso acontecesse, pois sabia que assim fazendo estaria agindo contra o Governo Federal, o que poderia trazer prejuízo a seus planos políticos.
Sem poder resistir ao grande número de cangaceiros, o Aspençada Luiz Riscão e seus comandados lutaram até esgotar suas munições. Para evitar uma chacina, Riscão estava disposto a enfrentar os inimigos a punhal, porém, o Dr. Abdon Pontes, Juiz da cidade, intermediou entendimentos com os cangaceiros para permitir a saída da Polícia, o que deveria ocorrer pela parte da cidade, oposta a que estava sendo invadida.
Riscão aceitou se retirar, porém impôs a condição de sair com sua tropa em forma, passando no meio dos cangaceiros e sem ouvir nenhuma pilhéria, pois se isso ocorresse, entraria em luta corpo a corpo. Os cangaceiros aceitaram e a retirada da tropa se deu nessas condições. Taperoá ficou controlada por Santa Cruz.

 

Combates em Patos

 
Augusto Santa Cruz e Franklin Dantas, a frente de aproximadamente 500 cangaceiros invadiu a cidade de Patos no dia 25 de maio de 1912. Havia, nessa época, ameaça de invasão a Teixeira, por isso a Polícia Militar tinha concentrado tropas naquela cidade. Em Patos, o efetivo Policial de 16 homens, não era suficiente para conter a invasão.
Depois de muitos saques, depredação e outros constrangimentos à comunidade, os cangaceiros se hospedaram nas melhores casas da cidade. No dia seguinte, o Bando armado, deixou Patos e seguiu para Santa Luzia, com objetivos de efetuar invasões e prática de saques.
Santa Luzia tinha sido invadida recentemente, por um grupo de cangaceiros comandados por Antônio Silvino. A população estava apavo­rada ainda com esse ataque, quando toma conhecimento da vinda do grupo de Santa Cruz à Cidade. Quando a cidade foi invadida a população sem condições de resistir aderiu a Campanha de Rêgo de Barros, deixando os cangaceiros sem argumentos para praticar saques e outras desordens.
Em seguida, o grupo de Santa Cruz retorna a Patos para dar continuidade aos saques e depredações. A Polícia Militar, que já tinha sido avisada da invasão de Patos, ocorrida no dia 25 daquele mês, deslocou a Tropa estacionada em Teixeira, sob o Comando do Major Nicodemos Guedes Álvaro de Moura, para dar combate aos cangaceiros. Nessa invasão, além do Nêgo Vicente e Seu "Hino", achava-se entre os cangaceiros o filho de Franklin Dantas, o Acadêmico de Direito João Dantas, que em 1930 veio a assassinar o Presidente João Pessoa.  No retorno dos cangaceiros a Patos, ocorreu, na entrada da cidade, violento confronto com a Polícia Militar, que resultou na derrota dos cangaceiros e sua dispersão. A Paz voltou a Patos.

 

Lutas em São João do Cariri

 
Dispersados em Patos, no dia 26 de Maio, os cangaceiros voltaram a se reunir no dia 29 do mesmo mês, para invadir Soledade. Comandados por Germano e Seu "Hino", 50 cangaceiros foram recebidos na entrada de Soledade por uma Comissão composta pelo Juiz da cidade Dr. Severino Araújo e políticos locais, como Sílvio Nóbrega e o Padre Betâneo, que pretendiam negociar para que a cidade não fosse invadida. Desses entendimentos, resultaram o pagamento de 2 Contos de Reis aos cangaceiros para que não ocorresse a invasão.
De Soledade, os cangaceiros se dirigiram no dia 31 de Maio, para São João do Cariri, onde encontraram resistência do Destacamento da Polícia Militar, Comandado pelo Alferes José Vicente e composto por mais 60 homens. Ocorreu cerrado tiroteio, mas a Polícia acabou cercada pelos cangaceiros.
Na madrugada do dia 1º de junho, um contingente Policial Comandado pelo Tenente Rangel Farias e pelo Sargento Pedro Medeiros, se aproximou da cidade e atacou os cangaceiros pela retaguarda, fazendo com que eles batessem em retirada.

 

O término das lutas e a situação da Polícia Militar

 
Por interferência de Epitácio Pessoa, que gozava de grande prestígio junto ao Presidente da República, o Marechal Hermes da Fonseca, candidato da oposição ao Governo, o Coronel Rêgo Barros foi transferido para Belém do Pará, enfraquecendo a Campanha. As eleições foram realizadas no dia 22 de junho e o candidato João de Castro Pinto foi eleito.
Após a campanha, Santa Cruz refugiou-se em Pernambuco, onde recebeu apoio do Governo daquele Estado. Decorrido algum tempo, Santa Cruz se apresentou, foi preso, julgado e absolvido, e em seguida ajudou na absolvição de seus correligionários. Depois, Santa Cruz foi nomeado Juiz em Pernambuco, onde prestou serviço até ser aposentado.
Nessa época, a Polícia Militar era denominada de Força Policial, tinha um efetivo de 910 homens e era Comandada pelo Tenente Coronel do Exército, Álvaro Evaristo Monteiro. O armamento que a Corporação dispunha era Carabina COMBLAIN, adaptada a Mauzer e Carabina MANULICHER. O Comando Geral era sediado no Quartel da Maciel Pinheiro. Durante as lutas, uma Companhia de Polícia foi deslocada da Capital para Campina Grande, para facilitar o deslocamento das Tropas.
Esses fatos são relatados na Obra "Gente de ontem, história de sempre" de autoria de Dorgival Terceiro Neto, reproduzindo registros feitos por Cristino Pimentel em sua Obra "Pedaços da historia da Paraíba".
 
 
Major  Genuíno Bezerra - Comandou tropas nessas lutas    
Elísio Sobreira - Participou dessas lutas no Posto de Alferes
Carabina Manulicher - Arma utilizada pela Polícia nesses combates
Doutor João Santa Cruz - Chefe dos revoltosos
 

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