Mestre de cerimônia em solenidade militar

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     Mestre de cerimônia em solenidade militar, como em qualquer outra área, é uma atividade que exige aptidão e um adequado treinamento, pois às vezes no desenrolar da cerimonia ocorrem situações não previstas no script o que acarreta a necessidade de se improvisar com a adoção de medidas destinadas a adequar o fato incidente à sequencia dos atos.

       No caso dos militares, onde as regras dos cerimoniais são mais rígidas, essas exigências são mais complexas, pois os improvisos precisam se adequar, sobretudo, às normas relacionadas à hierarquia. É esse tema que, de forma superficial, abordamos nesse texto, ilustrando, com um fato real, a inabilidade de um mestre de cerimonia e as respectivas consequências.

            As organizações militares primam pelo formalismo e os seus integrantes acabam se adestrando de tal forma ao cumprimento dos rituais prescritos na legislação pertinente que sempre que eles participam de solenidades previstas de maneira expressa ou tácita nos regulamentos, buscam cumprir rigorosamente os preceitos normativos estabelecidos para esse fim.

         A maior parte dos atos solenes na vida militar é voltada, em sua essência, para enaltecer a ação de conjunto, buscando-se a uniformidade nas ações. Ocorre, porém, que por vezes, um militar, em razão da natureza da cerimonia, tem papel de destaque nesses atos e dele depende o êxito da solenidade.  É o caso, por exemplo do mestre de cerimonia.

       Nesses casos a carga de responsabilidade do militar se acentua e se ele não tiver aptidão ou devido adestramento e treinamento para aquela função, pode ficar nervoso e comprometer o brio da solenidade, o que sempre cria insatisfação, em diferentes graus, nos demais participantes do ato que se esmeraram para fazer o melhor possível naquele ato.

         Algumas vezes essas falhas podem passar despercebidas e ser absorvidas pela ação conjunta da tropa.

        Outras vezes, entretanto, elas causam um nível de insatisfação tão alto nos dirigentes do ato, que eles são levados a tomar providências imediatas, substituindo às presas o inábil militar, ou, muito raramente, suspendendo a sequencia do ato.

        O caso a seguir exposto, narrado pelo Coronel da Reserva Everaldo Dutra (PMPB), ilustra bem o nível de estresse que acomete um militar sem aptidão ou suficiente treinamento, quando escalado para essa função e  as suas consequências.

      Vamos aos fatos

                       Mestre de cerimônia em solenidade militar

                                                                          Everaldo Dutra

No primeiro semestre de 1991 ocorreu mais uma passagem de Comando do 1º Batalhão. Nessas oportunidades são realizadas solenidades nas quais é seguido rigorosamente o que preceitua o Regulamento de Continência, Honras e Sinais de Respeito (O conhecido RCont). Para isso muitos Oficiais foram mobilizados. Houve muita correria por parte dos menos experientes e certa indiferença por parte de alguns “antigões” menos afeitos a essas atividades.

Nessas circunstâncias, um Aspirante a Oficial que ali estava servindo foi chamado ao Gabinete do Major Subcomandante daquela Unidade. Ali chegando, o Aspirante se apresentou e escutou o Major dizer “Aspirante, qual foi a tua colocação na academia?”, ao que o Aspirante, cheio de orgulho, respondeu: “segundo lugar, Major”.

O Major balançou a cabeça, num gesto de aprovação e determinou:

- Você é desenrolado. Você vai fazer o boletim especial da passagem de comando do Coronel Vieira para o Coronel Medeiros. Passe na P/1 e pegue os currículos dos dois oficiais.

 Supresso com a missão recebida, o Aspirante indagou:

- Major, tem algum modelo anterior para que eu possa seguir?

E ouviu a clássica orientação, “te vira Aspira”.

O Aspirante deu seus pulos e no dia determinado entregou o documento, que foi analisado pelo seu Chefe.

Concluída a análise, o Major se manifestou:

- Vou passar ao Coronel Vieira, se ele aprovar tá tudo bem, se não aprovar você me paga Aspira.

Surpreso e eufórico com o êxito da missão, o Aspirante apelou por um reconhecimento e indagou: “Major posso fazer um pedido?”

- Faça, respondeu o Chefe.

Desejoso de ter uma participação de destaque na solenidade, o Aspirante expressou:

-  Já que eu fiz o boletim especial tem como o senhor me escalar como mestre de cerimônia, no dia da solenidade?, ao que o Major respondeu:

- Você é muito folgado Aspirante. Negativo. Você vai ser escaldo na tropa. Na guarda da bandeira.

Chegou o dia da solenidade. A tropa formou na frente do Batalhão, sob o comando do Capitão José Morais, na presença de varias autoridades civis e militares.

 Dispositivo pronto, tudo de acordo com o planejamento. O 1º Tenente mestre de cerimônia começou a anunciar os nomes das principais autoridades presente ao local.

 Tudo de conformidade com o script.

O Comandante Geral chegou ao local da solenidade e foi anunciado pelo mestre de cerimônia:

- Chega neste momento o senhor Coronel João Batista de Souza Lira, Comandante Geral da Polícia Militar da Paraíba, o qual após receber as continências regulamentares, passará em revista à tropa.

O Comandante ocupou se lugar no dispositivo e aguardou a apresentação da tropa.

O corneteiro deu os toques de estilo. O Capitão Morais saiu de forma, desfilando de maneira garbosa, de espada ao ombro, e foi até ao Comandante Geral e na distância regulamentar, apresentou a tropa.  Teve início a revista de tropa, com o Capitão Morais acompanhando o Comandante.

Terminada a revista, o Capitão Morais retornou a tropa e o Comandante voltou ao seu lugar no dispositivo, mas o mestre de cerimônia  anunciou:

 - Convidamos o senhor Coronel Comandante Geral para tomar o seu lugar no dispositivo. O Comandante que já estava devidamente posicionado, ali permaneceu.

Em seguida foi anunciado o cântico do hino nacional.  O corneteiro deu os toques correspondentes ao ato, a tropa tomou a posição de sentido e o hino foi cantado sob a regência do maestro da banda de música.

Concluído o canto do hino, o Tenente mestre de cerimônia voltou a anunciar:

- Convidamos o senhor Coronel Comandante Geral para tomar o seu lugar no dispositivo.

O Comandante permaneceu onde já estava posicionado

O mestre de cerimônia não se tocou e prosseguiu anunciando a presença de mais algumas autoridades.

Nesse momento, o Coronel Lira se virou para trás, onde estavam postados os Oficiais e mandou encerrar a solenidade. Os oficiais do Estado Maior adentram no interior do quartel.

O Capitão P/1 do 1º BPM pegou o microfone, pediu desculpas às autoridades presentes e disse para a tropa:

- Solenidade encerrada. Capitão Morais pode conduzir a tropa para o pátio interno do quartel. Os Oficiais ficam convocados para uma reunião no Gabinete do Comandante do Batalhão.

Escuta-se o capitão Morais bradar, bem ao seu estilo:

- Isso é um Tenente folote, fila da puta. Esse Tenente é um fole.

A tropa foi conduzida ao interior do Quartel onde ocorreu a desincorporação da Bandeira e em seguida foi posta fora de forma.

Os oficiais e os Aspirantes que estavam incorporados na tropa subiram para o Gabinete do Comandante do Batalhão e encontram os demais Oficiais formando um circulo e nele se incorporaram.

O Comandante Geral, demonstrando-se irritado disse na abertura da reunião:

- É a primeira vez que venho no 1º BPM como Comandante Geral e estou muito decepcionado. Cadê o Tenente que estava dirigindo a solenidade?

O Tenente tomou a posição de sentido e se apresentou:

- Pronto comandante. Era eu.

 O comandante perguntou.

- Você foi formado em qual Academia? Ao que o Tenente respondeu: “na academia do Paraná”.

O Comandante, em tom admoestador, comentou:

  - É uma boa Academia. Mas você é um primeiro Tenente e não sabe seguir um roteiro. Você é doido? Você me chamou pra tomar o lugar no dispositivo, três vezes.

 Tentando se explicar o Tenente argumentou:

- Comandante permissão. É que eu estava de férias e fui escalado de última hora.

         O Comandante foi incisivo: “Não justifica Tenente. Quero as providências!”

           O Major, ainda Subcomandante do Batalhão, conhecido disciplinador, franziu a testa olhando para o Tenente e faz um leve e sutil gesto ameaçador.

 A passagem do Comando foi feita no Gabinete. O Capitão P/1 fez a a leitura do boletim especial redigido pelo Aspirante, que a tudo ouvia com atenção e orgulho. Após esse ato o Comandante se retirou sem maiores comentários e visivelmente chateado.

Os Oficiais foram liberados

 Antes de sair daquela sala, o Major Subcomandante se dirigiu ao Tenente Mestre de Cerimonia, e lhe disse “tava de férias, né Tenente?”, “vai responder a uma sindicância”.

Esse fato hilário foi comentado por um bom tempo, no interior do Batalhão, principalmente pelo Capitão Morais, que não se cansava de chamar o Tenente de folote, de fole e fila da puta.

O tal Tenente, entretanto, prestou um relevante serviço à Corporação ao representa-la em uma missão da paz no continente africano.

Era uma questão de aptidão ou de treinamento. E ele não tinha aptidão para a tarefa de mestre de cerimonia e nem teve tempo de treinar para desenvolver habilidades para essa tarefa.

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