A Segurança Pública através da história

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              O estudo da  Segurança Pública através da história oferece elementos para se avaliar a importância desse tema para sociedade em todas as civilizações.  É evidente que não se poderia  nesse estudo se detectar a expressão "segurança pública" , mas fica patente a existência, desde períodos remotos, de atividades, ora pública, ora privada, destinada a execução de tarefas equivalentes às que atualmente são realizadas pelo órgãos de segurança pública. Vamos abordar , de forma sintética, algumas dessas situações.

 

  Com este artigo, e mais os dois seguintes, vamos reproduzir parte do primeiro capítulo do nosso livro "A briosa: a história da Polícia Militar da Paraíba". Inicialmente faremos uma abordagem sintética sobre o surgimento no mundo  das atividades que poderíamos denominar de segurança pública. No próximo artigo, o segundo da série, enfocaremos como tiveram início estas atividades no Brasil. Finalmente, no terceiro artigo faremos uma apreciação sobre o surgimento das Polícia Militares no Brasil e em particular como foi criada a Polícia Militar da Paraíba.

 

Comecemos então com o Surgimento da Segurança  Pública através da história. São raros os trabalhos aprofundados sobre a origem e evolução das atividades modernamente denominadas de Segurança Pública através da História. Uma das explicações para esse fenômeno é o fato de que só há pouco tempo os cientistas sociais despertaram para a importância do tema. No âmbito da literatura nacional, Luiz Flávio Sapori (2007) registrou dados históricos que permitem se perceber de maneira sistemática, embora sintética, a evolução da forma de prestação desse tipo de serviço ao longo da história.

 

Na obra Padrões de Policiamento, David Bayley (2001) faz uma análise comparativa da estrutura, função e forma de atuação de diversas organizações policiais do mundo. Resgata informações, também breves e fragmentadas, referentes aos aspectos históricos dessas instituições, propiciando visualizar de forma geral a origem e o desenvolvimento das atividades que modernamente são denominadas de Segurança Pública e que ao longo do trabalho ele denomina apenas como polícia. Embora esses autores empreguem termos ou expressões distintas para se referir ao mesmo fenômeno, na essência seus trabalhos revelam que a Segurança Pública, para Sapori, ou a Polícia, para Bayley, antes de se constituir um serviço público, foi em diferentes períodos da civilização uma atividade privada em diversas partes do mundo.

 

Para melhor justificar essa origem, Bayley, preliminarmente, define polícia como sendo a atividade de “pessoas autorizadas por um grupo para regular as relações interpessoais dentro deste grupo, através da aplicação da força”. (Bayley, 2001, p. 20).  Esse tipo de atividade precede a existência do Estado/Nação no formato que atualmente conhecemos. Pela etimologia da palavra, polícia provém do grego polítéia, que passou para o latim polítia, e significa administração de uma cidade ou sistema de governo (LAZZARINE, 1987, p. 20). Percebe-se que as atividades de polícia eram bem mais amplas do que as atuais.  Para Bayley (2001, p.52), “a palavra originalmente implicava todas as funções administrativas que não eram eclesiásticas”.

 

Com essa concepção, o autor faz uma analise da polícia como instituição e como função, ou seja, estuda a polícia como órgão vinculado à estrutura do Estado e também como o conjunto das ações destinadas a garantir a ordem interna de qualquer grupo social através da história, mesmo que não seja custeada pelo governo. Nesta última categoria se pode citar, por exemplo, a forma como se mantinha a ordem interna entre os povos pré-civilizados que viviam nas cavernas, ou entre os povos indígenas. Até mesmo no medievo e no período que antecedeu a formação do que denominamos Estado/Nação se constata essa forma de polícia citada, ou seja, atividades privadas destinadas à manutenção da ordem pública.

1.1  O SISTEMA ORIGINAL DE SEGURANÇA PÚBLICA

Na antiguidade, a constatação da existência da polícia como atividade privada é detectada através dos textos legais. Em Atenas, até século o VI a.C. apenas as pessoas prejudicadas podiam instituir processos criminais; as pessoas não envolvidas, incluindo o Estado, não podiam fazê-lo. O estado processava pessoas por decisão própria apenas nos casos de crimes de subversão e de sacrilégio” (Bonner e Smith, 1928, aput Bayley 2007, p.37).

 

Até meados do século III a.C., esse mesmo procedimento era aplicado em Roma, mesmo depois do advento da Lei das Doze Tábuas, marco inicial do direito romano. O caráter privado dessas atividades tinha início com ações de polícia repressiva, tais como as conhecemos atualmente, uma vez que cabia aos indivíduos, normalmente com ajuda de amigos e parentes, levar os infratores da lei até o magistrado. Em seguida, ocorriam ações privadas de execução penal, já que os magistrados decidiam a culpa do acusado e em seguida o devolvia a seus captores para aplicação de qualquer que fosse a punição permitida pela lei – incluindo morte, escravidão e pagamento financeiros.

 

Essa situação, com modificações de pouca relevância, perdurou até o século I a. C., quando Otávio Augusto implantou um sistema de segurança mantido pelo Estado. Esse fato é consignado por Sapori (2007, p.22) ao registrar: Sob Augusto aparece uma administração policial pública responsável pela manutenção da ordem nas ruas de Roma. Ele cria o posto de Prefeito da cidade, praefectus urbi, encarregado de comandar os vigiles, que patrulhavam as ruas e os stationarii, que permaneciam em postos fixos. Nesse contexto social, os responsáveis pela ordem coletiva são funcionários nomeados e pagos pela autoridade política central, perante a qual devem prestar contas.

 

Essas medidas se deram quando Roma experimentava grande crescimento comercial, o Império Romano acabava de ser implantado e o Estado passava por uma reorganização administrativa. Paralelo à criação desse novo organismo, Augusto também criou uma guarda para a sua proteção pessoal, que ficou conhecida como guarda pretoriana. Além dos serviços de natureza policial, os vigiles e os stationarii romanos também exerciam outras funções, como a prevenção e combates a incêndios, e a apreensão de mercadorias ilegalmente negociadas.

 

Ao relatar aspectos da criminalidade em Roma no tempo de Augusto Cesar, Suetônio (1980, p.66) faz o seguinte registro: ”Sob o pretexto de se defender, quadrilhas de bandidos andavam ostensivamente armadas. Os viajantes eram roubados nos campos, quer homens livres, quer escravos, e encerrados nos ergástulos dos proprietários territoriais. Numerosos bandos sob o rótulo de Nova Associação concertavam alianças e não recuavam diante de nenhum crime Ele reduziu os bandos organizando postos nas regiões favoráveis. Passou os ergástulos em revista. Decretou a dissolução de todas as associações que não fossem antigas, nem legais.”

 

Na busca de racionalizar o emprego do exército, Augusto promoveu uma redistribuição das tropas e determinou que uma parte dela passasse a desenvolver atividades mais voltadas para a segurança interna da cidade. “Quanto às forças armada, distribuiu por províncias as legiões propriamente ditas e as auxiliares. Criou uma frota para Missena e Ravera, no intuito de proteger o Mar Superior e o Mar inferior. Escolheu um número de determinados Soldados, uma para montarem guarda à cidade e outro para a sua segurança pessoal” (Op. Cit, p. 74).

 

Quando o Império Romano do Ocidente caiu (476 d.C.), o Império do Oriente estava iniciando o seu processo de expansão, e o direito nele produzido ganhava notoriedade. Suas instituições eram modelos para todas as nações. O direito consuetudinário começou a ser substituído pela norma escrita, e teve início a formulação de princípios gerais e sistemáticos em detrimento ao particularismo. Mas a Europa fragilizada com a queda do Império Romano do Ocidente e em conseqüência das invasões bárbaras acabou totalmente fragmentada. Em todo continente, principalmente nas zonas rurais, a violência ficou acentuada, em particular pela atuação de grupos nômades e piratas, que praticavam sobretudo crimes contra o patrimônio, situação provocou mudanças radicais na forma de prestação dos serviços de segurança.

 

Entrementes, formalizou-se a relação entre vassalos e suseranos, originando o sistema feudal no qual aqueles recebiam terras, objetos materiais e outros bens destes e, em troca, deviam lhe oferecer fidelidade absoluta e proteção. A fragilidade do poder central resultava na sua dispersão, com a necessidade de se transferir consideráveis parcelas de sua autoridade, o que era feito através da concessão de delegações. Entre as atribuições conferidas aos senhores feudais estava a delegação de certos poderes judiciais e administrativos. Dessa forma, a manutenção da ordem no interior de cada feudo passava a ser de responsabilidade do senhor feudal, que a exercia com o emprego de pessoas residentes na localidade.

 

Sapori (2007, p.23), reportando-se a esse momento histórico, aduz: “Com a queda de Roma, os órgãos especializados que exerciam a função de polícia desapareceram, e o direito romano caiu em desuso. A fragmentação política do período medieval proporcionou uma descentralização acentuada das funções tanto de polícia quanto de justiça”.

O precário poder central não exercia controle de tais atividades. Assim, a manutenção da ordem pública voltava para o domínio da segurança privada. Mas, por maior que fosse o esforço dos grandes proprietários rurais, não era suficiente para a manutenção da ordem no âmbito dos feudos. Para contornar a gravidade do problema, uma parte dos exércitos era eventualmente empregada para proteger os comerciantes e peregrinos. Entre os séculos X e XIII, essas dificuldades geraram a formação de grupos de pessoas voluntárias destinados a reprimir a violência em suas comunidades. De acordo com a base territorial onde se instalavam e a quantidade de indivíduos que os integravam, esses grupos recebia diferentes denominações

 

Na Inglaterra, os grupos formados pelos integrantes de dez famílias e organizados em aldeias eram denominados de Tythings, e seu comandante era intitulado de tithingman.  Esses grupos poderiam se associar a outros, e quando completavam dez Tythings, passavam a ser denominados de Hundreds. Essa forma de organização era denomina de Frankpledg, que significa responsabilidade de todos pela paz.

 

Em 1285, Henrique II, Rei da Inglaterra, preocupado com a crescente violência em todo seu domínio, editou normas através de um documento denominado Estatuto Winchester, no qual responsabilizava os senhores proprietários, a que tratava como Senhores vis, de cada comunidade, de prevenir a apurar os crimes praticados no interior dos respectivos feudos. Para tanto, em cada aldeia era escolhido um representante do rei para organizar e monitorar os grupos de autodefesa com atuação local. Nesse mesmo documento foi determinado que cada cidadão deveria ter uma arma para a sua defesa, o que era textualmente expresso na parte final do Estatuto: “Moreover, it is commanded that every man shall have in his house arms for keeping the peace according to the ancient assize....” Era o desdobramento do já totalmente descentralizado sistema de segurança, eminentemente privado.

 

Esse mesmo fenômeno ocorreu no restante do continente europeu. Na França, que durante os séculos XIV e XV passava por muitas guerras, além das dificuldades do poder central em custear uma organização destinada à manutenção da ordem pública, surgiu num dos intervalos Guerra dos Cem Anos, uma onda de violência praticada na zona rural pelos militares desertores. Para combater esses crimes, o rei João II, conhecido por João, o Bom, criou, em 1337, uma tropa de cavalaria denominada de marechausse, e que tinha a missão de manter a ordem pública na zona rural de todo o país, cavalgando pelas estradas. Era uma tropa custeada pelo governo central, que exercia seu controle. Ou seja, era uma força pública, portanto, diferente do modelo inglês.

 

Na Espanha, em razão dos mesmos problemas vivenciados pela Inglaterra e pela França, existiam, desde o início do século XI, organizações denominadas de Fraternidades, formadas por grupos de homens armados de arcos, por esse motivo chamados de arqueiros, custeados pelas comunidades locais e que se destinavam a manter a paz nos seus territórios. Em 1476, essas organizações foram unificadas e receberam o nome de Santa Hermandad, extinta em 1834, pouco antes da criação da Guarda Civil, a atual força policial daquele país. Não era uma organização inteiramente privada, como na Inglaterra, mas não era controlada pelo poder central, como ocorria com os marechausse, na França.

 

Tal como as forças policiais, ou organizações que desenvolviam esse papel, a aplicação da justiça também era descentralizada. A esse respeito, Sapori (2007, p.24) relata: “No que diz respeito à atividade judicial, prevalecia também o caráter comunitário e autônomo de sua aplicação. A justiça criminal era garantida pelo Senhor local, em nome do rei. A legitimidade dessa função provinha de uma delegação de autoridade recebida do rei, de quem emanava toda justiça. Mas a efetividade dessa justiça era muito fraca. Em primeiro lugar, as leis codificadas raramente eram sancionadas pelo aparato central da realeza. As disputas nas aldeias eram resolvidas tanto pelos clãs como pelas autoridades religiosas, procurando-se evitar o julgamento pela autoridade central ou local.”

 

Essa situação, aos poucos, foi se tornando realidade em todos os países do continente europeu e nas colônias ou nações sobre suas influências política ou comercial. Em 1337, o rei de Portugal, D. Fernando, criou uma organização denominada de quadrilheiros, que se destinava a manter a ordem pública na cidade de Lisboa. Era um serviço obrigatório, e não remunerado. Houve muitas dificuldades para manter esse serviço, e modificações foram implantadas. A 12 de março de 1603, o rei Filipe II regeu novo regulamento aos Quadrilheiros, reforçando sua autoridade, mas não foi suficiente para estimulá-los para o serviço, que continuava gratuito e precário. Em 1760, foi criado o lugar de Intendente-Geral da Polícia da Corte e do Reino, com ilimitada jurisdição, em matéria de polícia, o que também não gerou os resultados pretendidos. Em 1867 foi criada a Polícia Civil, agora remunerada e com melhor organização. A Polícia Civil era responsável pela segurança pública, polícia judiciária e polícia administrativa. Com o fim da Polícia Civil, em 1935, surgiram as atuais formas de polícia existentes naquele país.

 

Países como Itália e Alemanha, que se unificaram em períodos bem mais recentes, não apresentam registros de terem passado por essas fases. Nos Estados Unidos foi adaptado o modelo descentralizado da Inglaterra, pelo menos até sua independência. No Canadá foi adotado o centralizado sistema francês, em particular com o emprego da cavalaria no policiamento da zona rural, o que antecedeu a criação da atual Polícia Montada. De forma geral, esses sistemas, com as devidas adaptações, foram adotados, em todos os países orientais, até 1829, quando começaram a surgir organizações policiais com a formatação aproximada das atualmente existentes. Considerando que, na essência, esses sistemas, em particular a prestação dos serviços da justiça, estavam relacionados com o poder dos proprietários de terra, Bayley (2001, p.38) conclui de forma sintética:

 

Autoridades judiciais e executivas ligadas a títulos de terra concedidos por soberanos existiram historicamente até uma época bem recente. O direito dos proprietários de terra na Prússia (Junkers), de aplicar a justiça não foi abolido até 1872, enquanto o do proprietário russo, ainda que atenuado após a emancipação dos servos em 1864, durou até a revolução de 1918. Na Índia e na China o poder policial dos proprietários de terra oscilou de acordo com a força dos impérios, dos tempos imemoriais até meados dos séculos dezenove e vinte, respectivamente.

1.2 O SISTEMA MODERNO DE SEGURANÇA PÚBLICA

Durante a primeira metade do século XIX na Europa, principalmente na Inglaterra, ocorreram muitas manifestações promovidas pelos movimentos sociais eram decorrentes das precárias condições impostas à classe operária nas primeiras décadas de implantação da Revolução Industrial e expansão do capitalismo. Os prejuízos causados pelas longas guerras, e o novo mapa político mundial definido pelo Congresso de Viena – que depois das guerras napoleônicas definiu as áreas de influência das grandes potências em 1815 – promoveram profundas mudanças sociais e econômicas em todo continente europeu.  É nesse período que surgem os primeiros movimentos operários, como o ludismo, que se manifestava contra o desemprego provocado pelos processos da mecanização advindo da Revolução Industrial, ocorrido em 1810, e o cartismo, que defendia o direito de voto para a classe operária, na mesma época.

 

Em 1817 ocorreu a Marcha da Fome sobre Londres, envolvendo milhares de pessoas. Em 1919, ainda em Londres, foi realizado um movimento que ficou conhecido como o Comício de Saint Peter’s Field, que envolveu cerca de 80 mil manifestantes. O governo utilizou o exército armado de fuzis e sabres para reprimir esse movimento de forma violenta, ação que resultou no conhecido Massacre de Perterloo, com centenas de vítimas.

 

O Ministro do Interior da Inglaterra, Robert Peel, em 1829, através de um ato do parlamento criou uma organização destinada à manutenção da ordem pública na capital. Foi a Polícia Metropolitana de Londres, que, com as devidas adaptações, serviu de modelo para a criação das atuais polícias em todos os países do mundo. A manutenção da ordem pública passava definitivamente a ser responsabilidade exclusiva do poder público. Era uma instituição fardada, militarizada e essencialmente voltada para o exercício de funções preventivas. Essa organização, que também realiza as funções de polícia judiciária da cidade, é conhecida também como Scotland Yard, instalada em prédio homônimo desde 1890.

 

Com o processo de colonização, os países colonizados foram organizando sistemas de manutenção da ordem pública, à semelhança dos seus colonizadores. O sistema policial dos Estados Unidos, por exemplo, originalmente, foi influenciado pela Inglaterra; o Canadá adaptou a forma de organização policial francesa; e em todos os países da América Latina colonizados pela Espanha predominou o modelo por ela adotado. As unidades administrativas das colônias espanholas eram dirigidas por órgãos denominados de Cabildes, uma espécie de prefeitura. Nesses órgãos existia, entre outros administradores, a figura do Alguacil Maior, que era o servidor público encarregado de fazer cumprir as normas de convívio social, perseguir os jogos proibidos, praticar detenções e fazer ronda na povoação.Era, portanto, uma atividade policial.

Vejam também   A origem da Força Tática do 1º Batalhão   A origem do Batalhão de Polícia de Santa Rita   A origem da Companhia Especial de Apoio ao Turista (CEATur)

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