Comício em Campina terminou em bala, três mortos e feridos

Compartilhe!


        Um comício em Campina terminou em bala, três mortos e feridos, na campanha eleitoral de 1950. Alguns policiais militares que faziam a segurança do evento foram acusados de participar do tiroteio mas acabaram sendo inocentados. Foi um momento de muita tensão na política na qual haviam  muitos partidários  e adversários políticos do Governo no âmbito da Polícia Militar.

A campanha eleitoral para Governador da Paraíba, em 1950, foi muito disputada e registrou momentos de muita violência entre os adeptos das duas principais correntes políticas. Em Campina Grande a situação ganhou contornos de tragédia quando partidários de facções distintas se enfrentaram em um tiroteio que resultou em três mortes e dezenas de feridos. As vítimas eram partidárias do grupo político de oposição. Em conseqüência quatro Oficiais e seis Praças foram acusados de participar dos conflitos e por essa razão foram presos e processados, mas ao final do processos foram todos absolvidos..
O fato se deu no dia 9 de junho depois de um comício da UDN, quando o local foi invadido por partidários da PSD, dando início ao confronto.
O Professor Pereira Lira, integrante do primeiro escalão do Governo de Eurico Gaspar Dutra era candidato a Senador pelo partido do Governo (UDN) na chapa que tinha Argemiro Figueiredo como candidato a Governador.  José Américo de Almeida era o candidato a Governador pela Oposição (PSD). Há uma versão de que Pereira Lira teria encomendado a Humberto Teixeira para fazer um jingle para a sua campanha e que a música teria sido a que depois ficou conhecida como “Paraíba, Mulher Macho” que virou sucesso nacional.  Vários cantores famosos no cenário nacional participaram do comício da UDN, inclusive Luiz Gonzaga, que teria lançado o jingle da campanha.
Dorgival Terceiro Neto, político, professor, advogado e escritor, registrou esses fatos em uma reportagem publicada no Jornal “O Norte” do dia 18 de julho de 1993, e depois, em 1999, incluiu o texto no seu livro “Paraíba de ontem, evocações de hoje”
    Como o fato envolveu a participação de Oficiais e Praças da PM da Paraíba no centro dos acontecimentos,  a seguir reproduzimos na íntegra o texto de Dorgival.
Comício em Campina Grande terminou com mortes e feridos
      A Paraíba viveu em 1950 uma campanha política disputadíssima, repleta de incidentes e choques violentos. Postulavam o governo do Estado as Drs. Argemiro de Figueiredo e José Américo. Os correligionários radicalizaram suas convicções. Dos comícios, passeatas, e discussões acaloradas resultaram brigas com mortos e feridos.
       Em Campina Grande, terra natal do ex-governador Argemiro de Figueiredo, candidato mais uma vez ao cargo, os ânimos partidários andavam nos limi­tes máximos da exaltação. O governador José Targino da Costa, vice que substituiu Oswaldo Trigueiro, cuidava de oferecer garantias aos meetings de quaisquer facções, embora fosse ele udenista, do Partido de Argemiro. Os comícios na Rainha da Borborema eram concentrações gigantescas, engrossadas pelos adeptos dos candidatos vindos dos Municípios circunvizinhos e também do Brejo, do Cariri e do Sertão. Para o dia 9 de julho de 1950, a aliança UDN-PR preparou um grande comício. Iria su­plantar o que a coligação PSD-PL havia realizado a 28 de maio. O profes­sor Pereira Lira, candidato a senador, providenciou a contratação de artis­tas e cantores famosos: Luiz Gonzaga, Emilinha Borba, Black Out, Ester de Abreu, Sivuca, Rui Rei. fizeram um show no local do comício, a Praça da Bandeira. A concentração se realizou no fim da tarde c começo da noite. Após a passeata, os candidatos e oradores foram jantar na casa do ex-prefeito Emani Lauritzen, um sobrado senhorial, a rua Maciel Pinheiro. A multidão se dispersava, mas ainda havia bastante gente na praça.
Outra concentração
      A oposição havia requerido licença para também realizar comícios na mesma data, em qualquer parte da cidade. O chefe de Policia do Estado denegou a pretensão. Dizia-se, porém, que os americistas fariam o seu comício de qualquer jeito.
Delegado especial
       Na véspera do comício de 9 de julho, o governador José Targino nomeou delegado de Campina Grande o major reformado Ascendino Feitosa, afeito desde 1930 a missões belicosas. Para ajudá-lo no policia­mento, saiu da capital o capitão Gadelha, Delegado, levando alguns sar­gentos. Por lá estavam os tenentes Manoel Maurício Leite e Albertino Francisco dos Santos, com alguns subalternos.
Arregimentação popular
~
        Gadelha conta que ia se retirando, depois que a multidão começou a se dispersar. Tudo decorrera em ordem, não mais se justificando a presen­ça de Policia no local.  No entanto, o major Ascendino pediu-lhe que não arredasse o pé dalí pois  havia notícia de que chegariam passeatas para ocupar a praça, onde a oposição realizaria comício em resposta aos argemiristas, contrariamente à proibição. Gadelha achava que Ascendino estava exagerando, pois não havia sinais de movimentação de massa humana.  Não demorou quase nada - diz Gadelha - e lá vem gente aos borbo­tões, surgindo de tudo quanto era rua, aos gritos, com galhos de arvores e lenços brancos
          O historiador Josué Silvestre, em "Lutas de Vida e de Morte" narra que os responsáveis pela façanha foram os irmãos José (Zequinha) e Durmeval Trigueiro. O poeta e grande tribuno Felix Araujo, que tinha o dom de congregar e arrastar multidões para onde quisesse, não estava pre­sente, porque se encontrava no Hospital Pedro I, onde a esposa se interna­ra operada. Dizem, no entanto, que Felix coordenou tudo; deixou o povo preparado e foi para o hospital.
    A Praça da Bandeira foi tomada rapidamente. Retratos, faixas e pro­pagandas do comício anterior foram destruídos em poucos minutos. A turma que dirigia a ocupação da área subiu num pavilhão em construção, ainda escorado. Gadelha, que estava próximo ao palanque, avistou um sol­dado lá em cima. Deu-lhe sinal para que descesse. Ia começar o falatório.
Tiroteio generalizado
Quando Dumerval Trigueiro começou a falar, ecoou um tiro. Foi um horror, um pânico de proporções alarmantes. E o pior aconteceu. Ouviam-se disparos de armas de fogo de toda parte. Ninguém sabia quem atirava e quem respondia. Foram mais de duzentos estampidos. Corria gente em cas­cata: homens, mulheres, velhos e jovens se atropelando, uns caindo sobre os outros, aos emboleus. Uma mulher vinha correndo e chocou-se com Gadelha, que suportou a pancada no tórax. Ela caiu e ficou estatelada. Foi tudo muito rápido. Quando terminou, estavam no chão três mortos e cerca de vinte feridos.
           Josué Silvestre menciona os mortos: o bancário Rubens de Sousa Costa, que foi impiedosamente massacrado por policiais, a cacetadas, fa­lecendo horas depois: Jose Ferreira dos Santos e Oscar Coutinho, dois operários; o primeiro empregado de uma oficina de fundição em Campina; o segundo, mecânico pernambucano que viera do Recife para montar o elevador do edifício dos Correios. Feridos graves eram uns dez com escoriações, contusões e fraturas, eram mais. Ainda Josué Silvestre conta que houve protestos na hora, destacan­do-se o do advogado Aloísio Afonso Campos, que assistiu estarrecido, ao brutal massacre do bancário. Era presidente do Partido Socialista Brasilei­ro e se elegeu deputado estadual.
          A Praça da Bandeira transformou-se em terra arrasada. Canteiros e jardins feitos há pouco tempo, restaram inteiramente destruídos. Parecia que por ali passara uma boiada em disparada. No dia seguinte, recolhiam no local do tiroteio e cercanias, grandes quantidades de sapatos, chinelos, bolsas, alpargatas, guarda-chuvas, sombrinhas, chapéus e pedaços de ves­tuário.
Hospital cheio
Gadelha foi à casa de Ernani Lauritzen, onde Argemiro de Figueiredo, Pereira Lira e demais próceres políticos jantavam. João Agripino, deputa­do federal, que lá estava, convidou-o a ir ao Hospital Pedro I, onde feridos estavam sendo atendidos. João ficou no carro e mandou-o colher os nomes dos enfermos e seus endereços. Era uma missão arriscada, porque dentro do nosocômio estavam partidários contrários, exaltados, e parentes dos mortos e feridos. Alguns foram levados à Casa de Saúde Francisco Brasi­leiro.
         Os mortos foram velados na casa de Severino Cabral, de onde saiu o cortejo fúnebre. Uma multidão encheu as ruas até o cemitério. Jornais do país e emissoras de rádio deram intensa divulgação à tragédia. Na Assembléia Legislativa da Paraíba, nas Câmaras Municipais, na Câmara Federal e no Senado, protestos se repetiam em termos enérgicos, especialmente contra Pereira Lira, chefe da Casa Civil da Presidência da Republica. Cres­cia o clamor popular contra o oficialismo. Zè Américo elegeu-se governa­dor com expressiva maioria em Campina Grande, e na maior parte do Estado. Argemiro de Figueiredo candidatou-se depois a Prefeito. Perdeu. Estaria arquivado o grande homem publico? Poucos anos adiant­e era eleito senador. Brilhou como advogado, administrador e político
Inquérito
         Os fatos foram apurados em inquérito policial, designado para residi-lo o Promotor de Justiça Aurélio de Albuquerque, anos depois desembargador
         Não era fácil identificar na multidão quem atirava e quem contra-atacava ou se defendia. Uma testemunha disse ter visto o capitão Gadelha rolando no chão e disparando uma arma contra a multidão. Outra dizia que viu o major Ascendino atirando. Mas os depoimentos davam conta de que a saraivada de balas vinha de todos os lados. Houve um lance inte­ressante após o tiroteio. Roldão Mangueira, de Conceição, próspero co­merciante na Rainha da Borborema, que terminou como chefe da seita "Borboletas Azuis", falecido há alguns anos, encontrou o delegado no pá­tio dos acontecimentos e afirmou tê-lo visto disparando uma arma. Ascendino levantou a camisa e mostrou-lhe a cintura, que não continha arma alguma. Como poderia ter atirado, se não tinha arma?  Por certo, entre­gara-a a outrem, porque ele não era de brincadeira em serviço. Conduzia revolver até quando ia ao banheiro. E numa situação daquela, claro que portava arma. Findo o tiroteio, ai sim, apareceria apenas com a roupa.
Presos
       José Américo, que viria a ser governador eleito, anunciava de dentes cerrados que iria prender os militares do tiroteio da Praça da Bandeira e tirar-lhes os galões. Passaram-se os dias; ele tomou posse a 31 de Janeiro de 195 I. O inquérito policial foi remetido à Justiça. O promotor Agnelo Amorim Filho, futuro Procurador Geral de Justiça e Juiz Federal na Paraíba, denunciou os envolvidos no incidente, pedindo a prisão preventiva de todos dez, incursos nos artigos 121 e 129 do Código Penal. O Juiz de Campina, Dr. Mário Moacyr Porto, futuro desembargador e presidente do Tribu­nal de Justiça, recebeu a denúncia e decretou a prisão. Gadelha encontra­va-se em casa, na Rua Pereira da Silva, em João Pessoa, quando, a meia ­noite, foi despertado pelo coronel Sebastião Calisto, acompanhado de ou­tros oficiais, dizendo-lhe que o comandante Ivo Borges mandara chamá-lo. Ao chegar, recebeu a comunicação de que estava preso e foi mandado a uma dependência do Estado Maior, aonde também colocaram o major Ascendino e os tenentes Albertino e Mauricio. Sargentos e demais polici­ais processados ficaram em celas comuns. À porta do Estado Maior e dos xadrezes, puseram sentinelas para evitar que os presos recebessem visitas. O processo continuava. Conduziram-nos a Campina Grande, onde foram interrogados. Ali, ficaram recolhidos ao quartel do 2° Batalhão.
Batalha Judicial
       Oficiais e subaltemos envolvidos nos acontecimentos da Praça da Bandeira estavam presos há mais de 90 dias, sem que o processo fosse encerrado. Cerca de 30 advogados, entre eles Argemiro de Figueiredo e José Mário Porto, impetraram habeas-corpus ao Tribunal de Justiça em favor dos pacientes.  O Presidente do Tribunal, Desembargador Paulo Bezerril, relator, votou pela concessão da ordem, mas os demais compo­nentes da Corte negaram-na. O próximo passo seria um recurso ao Supre­mo Tribunal Federal, que deu provimento ao apelo e ordenou a soltura dos presos. Um dos argumentos utilizados era o da autoria incerta dos disparos; outro fundava-se no fato de que o promotor que formalizou a denuncia, o Dr. Agnelo Amorim Filho, fora delegado do PSD no pleito de 03 de outu­bro.
Após vários dias de prisão, familiares dos oficiais podiam visitá-los, inclusive para levar-lhes alimentação caseira e roupas. Numa das visitas que fazia ao marido, d. Nair Delgado Gadelha tomava ciência da denegação do habeas-corpus. Ela desmaiou e caiu. Não deixaram que o marido a socorresse. Quem a conduziu ao Pronto Socorro foi o Major Severino Lucena.   Ascendino, Gadelha, Albertino, Mauricio e os sargentos que respondiam ao processo, foram liberados, logo em seguida ao provimento do recurso pelo Supremo Tribunal, o que importou na concessão do habeas-corpus que fora indeferido.
O processo continuou em Campina Grande. Os acusados foram impronunciados e absolvidos por sentença do juiz Josué Clemente de Fari­as, que a fundamentou em rixa, ou seja, numa contenda com agressões e contra-agressões generalizadas, sem que fosse possível identificar no tu­multo os autores dos disparos.
Gadelha
João Gadelha de Oliveira, Gadelhinha, como muitos o chamam, amistoso, conversador, estimado por quantos o conhecem. Veio de Concei­ção para a Capital com 16 anos de idade. Ingressou na Polícia como solda­do e chegou a coronel e comandante geral da Corporação. Em 1940, te­nente, aos vinte e cinco anos de idade, foi nomeado Prefeito de sua terra. Depois, em 1941, nomearam-no Prefeito de Cruz do Espírito Santo. Em 1947, capitão, Oswaldo Trigueiro colocou-o como Prefeito de Piancó para garantir a primeira eleição municipal após a redemocratização disputada com grande animosidade entre os adeptos de Antonio Leite Montenegro e de Edgar Brasileiro. Foi assistente militar dos interventores Ruy Carneiro e Severino Montenegro, Delegado de Investigações e Capturas, de Trânsito Vigilância e Costumes, de Ordem Política e Social, da POLINTER. Depois de reformado, ocupou uma Diretoria de Divisão no Instituto de Previdência do Estado da Paraíba. Um filho, Ronaldo Gadelha, engenheiro civil, que já ocupou muitos cargos na administração Publica, e Secretario de Pla­nejamento na Prefeitura da Capital; outro filho, João Gadelha de Oliveira Filho, professor da UFPB, bom músico da Orquestra Sinfonica da Paraíba; uma filha, Maria de Fátima Gadelha Martins, engenheira civil, casada com o engenheiro Frederico Martins, residentes em Salvador-BA; a outra, Eliane Gadelha Ribeiro, assistente social, casada com Porfírio Pinto Ribei­ro, gerente da Caixa Econômica Federal, agência das Trincheiras, nesta Capital. Os netos são oito. Guarda entre os muitos títulos e documentos, a carteira de sócio proprietá­rio do Cabo Branco, remido.
Veja também

Compartilhe!


Deixe um comentário

Seja o Primeiro a Comentar!

Notificação de
avatar