Patrulha de PM invadiu o Clube Cabo Branco por ordem do Governador

Compartilhe!


        Uma Patrulha de PM invadiu o Clube Cabo Branco, no centro da cidade João Pessoa,  por ordem do Governador e agrediu a todos os sócios daquela agremiação que estavam presentes, O fato ocorreu em 1948 e se  deu em represália a insultos que o Governador teria sofrido por parte dos frequentadores daquele clube,  Vamos narrar como isso aconteceu.
       Em 1948, quando Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Melo era o Governador da Paraíba, uma patrulha da Polícia Militar, formada por aproximadamente sessenta homens, sob o Comando do Capitão João Gadelha de Melo, cumprindo expressa ordem do Governador,  invadiu a sede do Clube Cabo Branco,  situado na  Rua Duque de Caxias, no centro de cidade,  para coibir atos de hostilidades  contra o chefe do executivo estadual e conter manifestações que afetavam a ordem  pública.   Naquela ocasião o líder do movimento foi preso, muitos associados daquela agremiação sofreram agressões físicas e dezenas deles fugiram do local às carreiras
       O Cabo Branco reunia a mais expressiva camada social, econômica, política e intelectual da cidade, motivo pelo qual o fato alcançou grande repercussão. O Governador costumava freqüentar o cinema Rex, que ficava em frente ao Clube, e todas as vezes que isso acontecia um grupo de associados do clube, postados no interior do sodalício ou em suas calçadas, proferiam  impróprios contra essa autoridade e lançavam fogos de artifícios em direção ao local onde ele se encontrava o que provocava pânico nas pessoas presentes.
      Na mesma noite esses fatos, que se deram na noite do dia 28 de junho de 1948, véspera de São Pedro, chegaram ao conhecimento das mais altas autoridades do país. Como era natural, tais acontecimentos foram objetos de intensas críticas ao Governo, formuladas pela imprensa, e em depoimentos de parlamentares nas casas legislativas, que cobravam punições. Em sinal de protesto, o Clube fechou suas portas durante alguns dias, alegando que só as abririam quando os policiais fossem punidos. Como a ordem para a atuação da polícia partiu diretamente do Governador, nada foi apurado e ninguém foi punido. Dias depois o Clube foi reaberto e não houve mais xingamentos ao Governador.
     Dorgival Terceiro Neto, ex-prefeito de João Pessoa, ex-governador do Estado, Professor de UFPB, membro do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, Advogado de renome e autor de diversas obras literárias, escrevia artigos especais para o Jornal o Norte narrando fatos históricos e pitorescos, segundo ele mesmo definia. No dia 18 de julho de 1993, ele publicou uma matéria narrando esses fatos, e outros ocorridos em Campina Grande em 1950, quando um grande comício acabou em um tiroteio com mortes e feridos. A matéria é rica em detalhes e narrada de forma sarcásticas e, por vezes irônica, o que caracteriza bem o estilo do saudoso Dorgival, recentemente falecido, a quem, humildemente, reverenciamos.
    Em 1999 Dorgival publicou mais uma das suas obras, sob o título “Paraíba de ontem, evocações de hoje” na qual transcreve suas principais matérias especiais publicadas no Jornal o Norte. Transcrevemos, a seguir, a parte do capitulo em que ele descreve a invasão do Clube Cabo Branco. Oportunamente publicaremos a matéria referente ao comício de Campina Grande, uma vez que nele também teve a participação de policiais militares.
O NORTE JOÃO PESSOA: 18/07/93
TIROTEIO DA PRAÇA DA BANDEIRA E INVASÃO DO CABO BRANCO, NA MEMÓRIA DE UM PARTICIPANTE
Ao tomar posse no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, na cadeira que tem como patrono o eminente estadista Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Melo, o advogado de renome, Prefeito da Capital, Governador do Estado, deputado federal, embaixador, Ministro de dois Tribunais Superiores, tendo presidido a mais alta Corte de Justiça do país, reportei­-me a invasão da sede do Clube Cabo Branco pela polícia em meados de 1948, quando o ilustre conterrâneo governava a Paraíba. Conciliador Oswaldo respeitava os adversários. Não os provocava e nem os hostilizava. Solteiro, morava no Palácio da Redenção, de onde saia a pé, vez por outra, à noitinha, para assistir aos filmes no Plaza, no Rex e até mesmo no Filipéia, que ficava nos fundos da morada oficial. Abusando da tolerância do governante, alguns sócios do Cabo Branco começaram a dirigir-lhe pilherias e até vaias, quando ele se aproximava da bilheteria do Rex, fronteiro ao Clube.  Foram tomando gosto e aumentando progressivamente os insultos  Na véspera do São João daquele ano, queimavam bombas, mijões e outros artefatos, lançando-os em direção ao Cinema. Todos os que entravam na fila assustavam-se e, dependendo da potência e ziguezagueado do petardo, eram impelidos a pular ou correr. A queima e lançamento de foguetes constituíam mais uma forma de chacotear o governante simples c tolerante. Mesmo durante a projeção, o bombardeio continuava lá fora. Os diretores do sodalício, homens de responsabilidade, desaprovavam as provocações  mas não podiam conter as estripulias praticadas por sócios através das muitas janelas dos dois andares do prédio.
Reprimendas
      Informado de que os achincalhes iriam ser maiores no decorrer dos festejos de São Pedro, o Governador resolveu reprimir a mazurca, quer fosse ou não ao cinema. Na antevéspera do dia dedicado ao santo guardião das chaves do céu, 27 de junho de 1948, Oswa1do Trigueiro determinou ao Comandante da Policia, Coronel do Exercito José Arnaldo Cabral de Vas­concelos, hoje na reserva como general, que fizesse se apresentar em Palá­cio o Capitão João Gadelha de Oliveira, oficial de 33 anos. Lá chegando, foi logo recebido pelo Governador, que lhe narrou o que vinha ocorrendo. Comunicou-lhe o que iria nomeá-lo Delegado de Trânsito e Vigilância, mas a missão principal seria a de proibir a pandega do Cabo Branco, aquela altura com nítidas características de hostilidade e ridicularização da pessoa do Chefe de Executivo. Advertiu-o de que não afrouxasse; agisse com rigor. Se assim não fizesse seria demitido. Pelo telefone, Oswaldo chamou a Palácio ao Coronel José Arnaldo, que chegou- relembra Gadelha - com a farda do Exército, embora fosse o comandante da PM e usasse em serviço a farda da milícia estadual. Tomou conhecimento da incumbência dada ao subordinado, prontificando-se a auxiliá-lo no que fosse preciso. O Governador disse-lhe que colocasse a disposição de Gadelha os militares que este quisesse, sem limites quanto ao numero. E assim foi feito. O Coronel José Arnaldo, no dia seguinte, pós a tropa em forma e o Capitão saiu escolhendo os elementos que pretendia. Separou sessenta, de sargentos a cabos e soldados. Oficial, apenas um: o Tenente Raul Geraldo de Oliveira, hoje Coronel reformado.
    Não havia segredo
       A cidade logo tomou conhecimento de que a polícia iria reprimir os excessos no Cabo Branco. A Delegacia confiada ao Capitão Gadelha fica­va ali na Duque de Caxias, bem pertinho do Clube. As informações eram de que a baderna seria maior no São Pedro, quer o governador fosse ou não ao Rex. Constava que algumas pessoas se infiltrariam nos bondes e nos ônibus para atirar bombas pelas janelas dos coletivos, inclusive em frente ao Palácio quando por ali trafegassem.
      No dia 27, Gadelha, acompanhado de Dr. Francisco Machado Rios, Dele­gado, procurou o presidente do Cabo Branco, o Dr. Edrise Vilar, Major médico da Polícia, homem respeitável e prudente. Cientificou-o do que estava para ocorrer, adiantando que as ordens eram no sentido de impedir e reprimir a baderna que se anunciava. O Dr. Edrise, que não concordava com manifestações anárquicas, redigiu um aviso e afixou-o no interior do Clube, advertindo aos sócios que se abstivessem da prática de atos hostis às autoridades e perturbativos da ordem e sossego públicos, porque iriam ser tomadas medidas corretivas. Mal deu as costas, arrancaram o aviso. Os observadores davam conta de tudo. Havia sócios com bombas e foguetes prontos para serem atirados de dentro do Cabo Branco. No São João, havi­am cercado uma arvore em frente ao Rex com artefatos incendiários. Vi­draças de prédios espatifaram-se com a explosão das bombas.
      Pessoal distribuído
     No dia 28 de Junho, Capitão Gadelha pós o seu pessoal na rua, de dois em dois, desde a Praça Venâncio Neiva à Igreja de São Francisco, ao longo da Duque de Caxias e também nas mas laterais e paralelas, inclu­sive na Praça Dom Adauto, nas calçadas do Cabo Branco e do Rex, na rua Peregrino de Carvalho.
       Protesto
      Gadelha, que ficara a fiscalizar os dispositivos montados, vinha do Paraíba Hotel em direção ao Clube. Mantivera rápida conversa com o Che­fe de Polícia, Dr. Severino Guimarães. Quando passava pelo Ponto de Cem Reis, encontrou o Tenente Raul rodeado por várias pessoas, entre as quais diretores do Cabo Branco, que falavam alto, protestando contra a presença de policiais no interior da sede da agremiação, o qual só podia ter acesso os sócios. Um dos diretores era o Dr. Atilio Rotta, Tenente médico da Policia. O Capitão disse-lhes que não iria ordenar a retirada dos militares, porquanto estava informado da existência de petardos 1á dentro e do propósito de repetição da baderna do São João, agora com mais intensidade. Os diretores disseram-lhe que iam comunicar a sua recusa ao presi­dente. Gadelha caminhou até a Igreja da Misericórdia, defronte ao Cabo Branco, aonde Dr. Edrise Vilar veio ao seu encontro. Atrás dele, com a farda do Exército, o então capitão Ivo Borges, que havia comandado a Policia, que ficou à distância. Poucos anos depois voltaria a comandar a Corporação.
O presidente não se opunha às medidas preventivas para evitar perturbações e incômodos às pessoas, mas queria impedir o confronto entre cabobranquenses e policiais, confiado, sem duvida, na observância ao avi­so que dera aos sócios. Atendendo às ponderações do Dr. Edrise, Gadelha mandou que as soldados saíssem e voltassem as suas posições na rua.
    Um estrondo e um fuzuê
     Gadelha retornou ao Ponto de Cem Reis. Caminhou até a calçada do Paraíba Hotel, onde estava o Chefe de Policia. Quando foi chegando, um estrondo de grandes proporções ecoou. Uma bomba estourou lá para as bandas do Cabo Branco. Incontinente, ele comunicou ao Dr. Severino Guimarães que ia ordenar a invasão do Clube. Para reunir o pessoal, Manoel Formiga saiu às pressas avisando aos policiais que se encaminhassem para o local.
      Quando o Tenente Raul passou os pés nos batentes da porta principal da agremiação, encontrou na porta o sócio Newton Borges, homem forte, va­lente, que gritou. "Pra fora, magote de cachorros" ! Entrou em luta com o Tenente e Soldados. Muita gente se armou com cadeiras, tacos de sinuca, cinzeiros e mais objetos ao seu alcance. Munidos de cassetetes os policiais distribuíam porradas a duas por uma. Newton Borges puxou um revolver e uma arma branca, mas foi desarmado e recebeu voz de prisão. Reagindo, fazendo uso da sua força física. Inútil, porque a turma que o agarrou era numerosa, forte, e batia muito. O Tenente-médico Atilio Rotta protestou. Gadelha ameaçou prendê-lo e mandá-lo para o quartel. O corre-corre foi grande. Quem saltava pelas janelas recebia borrachadas. Dentro do Clube já havia mais policiais do que sócios. Preso, somente Newton Borges, que distribuía socos e pontapés, mas apanhava demais. Os amigos que poderiam defendê-lo no momento estavam com policiais pela frente, de lado e na retaguarda. Se quisessem partir para retirá-lo das mãos dos milicos não sairiam do lugar. Newton dizia que só iria preso se levado pelo Dr. Hermes Pessoa, promotor de justiça, respeitável cidadão, que viria a ser desembargador anos depois. Dr Hermes mandou que o soltassem, pois o levaria até a Delegacia.  Os dois foram para o interior do Clube, mas de lá não voltaram.  Ai Gadelha disse "Levem-no preso de qualquer jeito. E assim foi.
      Denúncias e protestos
     A Diretoria do Cabo Branco telegrafou ao Presidente da Republica, aos Ministros da Guerra e da Justiça, denunciando a invasão, protestando contra a violência e rogando providencias. O Clube foi fechado e somente reabria quando o Capitão Gadelha fosse exonerado e punidos os demais militares. Os jornais abriram manchetes e agasalharam vasto noticiário contra o governo em seguidas edições. Como nenhuma medida punitiva foi tomada, Cabo Branco foi reaberto. Os sócios estavam reclamando muito porque estavam privados de se reunirem para conversar, jogar e falar do governo.
      Não se perdeu uma.
      Boanerges Cunha, de memória sempre lembrada pela verve das estórias­ e piadas que contava no Cabo Branco, dizia que das cacetadas da policia só se perderam as que ficaram no ar, pois todas as que baixavam iam direto ao "peduvido" de quem estava próximo. Poucos dias depois, ele encontrou próximo ao Clube, um sócio que saia apressado em direção ao Ponto de Cem Reis. Interrompeu-o e perguntou-lhe: - "Foi o Capitão Gadelha que chegou por lá novamente?".
      Prestando contas
        Gadelha compareceu ao gabinete do Governador para prestar contas do serviço. Evidente que o Dr. Oswaldo já sabia de tudo. Não fora ao Rex, mas poderia voltar a frequentá-lo sem riscos de pilhérias, assobios, vaias e espocar de bombas, rojões e mijões. Agradeceu ao capitão, que continuou delegado.
Veja também

Compartilhe!


Deixe um comentário

Seja o Primeiro a Comentar!

Notificação de
avatar