Conflitos entre policiais civis e militares.

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Conflitos entre policiais civis e militares, em casos como os que aqui vamos abordar, quase sempre resultam de uma errônea compreensão de cumprimento do dever legal, por uma das partes e do elevado espírito de camaradagem, corporativismo e senso de justiça, da outra parte. São casos isolados e sem vínculos diretos com as instituições policiais, mesmo se considerando que o sistema policial adotado no Brasil tenha sido, por muitos anos, fonte de discórdia entre esses profissionais.

   O sistema policial brasileiro é único no mundo. São duas policias com cada uma fazendo metade do circulo de atividades correspondente à persecução criminal, que se constitui na prevenção e na repressão ao crime.

A Polícia Militar exerce o policiamento ostensivo, destinado à prevenção e a Polícia Civil executa as investigações e elabora o Inquérito para subsidiar o Ministério Público a efetuar a denúncia, peça inicial no processo criminal. Ocorre que, na prática cotidiana e dinâmica das complexas atividades dessas instituições, muitas vezes essas funções se confundem, o que gera interpretações conflituosas por parte dos seus executores.

  Nos demais sistemas existentes no mundo pode haver mais de duas policias, porém cada uma delas exerce todas as funções daquele circulo, observando a natureza do ilícito penal ou o local do seu registro, o que a doutrina denomina de policias de circulo completo.

 No Brasil essa divisão dos papeis das policias sempre apresentou dificuldade, com episódicas invasões de competência, o que, por vezes, gerava conflitos entre alguns integrantes dessas instituições.

Na Paraíba, para atenuar esse problema, no início de década de 1990, os Comandos dessas Corporações começaram a desenvolver formas de integração, na busca institucional de se estabelecer uma maior aproximação de todos os seus integrantes.

Nessas circunstâncias constatou-se que esses policiais têm formações técnicas e culturas profissionais diferentes, o que, às vezes, dificulta o salutar convívio funcional. Mas aos poucos os conflitos foram reduzidos e atualmente são quase inexistentes, embora ocorram ainda raríssimos casos velados.

Mas, o que gerava mais conflitos entre os integrantes dessas organizções não era o sistema de polícia adotado, e sim a conduta de alguns dos integrantes dessas instituições, não só pelas diferenças já mencionadas, mas, sobretudo, pela formação moral e pela percepção de autoridade que tinham.

     A formação policial militar, além da preparação técnica profissional, desenvolve naturalmente o espírito corporativista, o sentimento de camaradagem, o senso de justiça e a adestrada disciplina de todos os integrantes dessa Corporação.

 Esse perfil, condicionado à personalidade de cada policial militar, baliza todas das as suas ações individuais, e pode ensejar situações de repulsa a atos que contrariem esses sentimentos, mesmo que isso implique em confrontos. Algumas dessas situações, há décadas passadas, resultaram da relação entre policiais civis e militares.

Os casos que passamos a transcrever constituem exemplos de situações dessa natureza. O primeiro é narrado pelo Coronel da Reserva Remunerada Risonaldo Rodrigues da Costa e se refere o um fato por ele vivenciado em Cajazeiras. O segundo é registrado pelo Coronel da Reserva Remunerada Geraldo Ramos, e ocorreu na Cidade de Santa Luzia. Ambos os casos ocorreram na década de 1980.

 Passemos aos fatos

Conflitos em Cajazeiras

                                                                                 Rizonaldo Rodrigues

 

           Eu era Capitão Comandando a Companhia de Cajazeiras. Naquela cidade tinha um Delegado  que achava que tinha um rei na barriga. Bebia direto. Em uma das cachaças dele, em uma mesa de bar por motivo fútil, deu voz de prisão a um Cabo PM. Ele estava com dois agentes e de imediato chegou uma guarnição nossa em seguida outra e não permitiram a prisão.

        Ele engoliu a seco, recolheu o veneno, e colocou na cabeça de prender um PM a todo custo.

       Quando chegava uma ocorrência na Delegacia ele ficava querendo enquadrar o PM. Alguns PMs me informaram e disseram que se continuasse assim, iam fazer uma igrejinha para ele. Eu disse que tivessem calma que iriamos tomar providencia.

         Fiz um relatório para o comando do 3º BPM, e para o Superintendente de Policia de Cajazeiras. O Comandante do 3º BPM remeteu o relatório para o Subcomandante Geral e este disse: “briga com a PC, não ganharemos uma, porque o Secretário a defendia muito”. Há quem diga que era porque ele tinha nó pelas costas e o Comandante Geral se agachava para ele. Fiquei no mato sem cachorro, sem apoio.

      No dia seguinte o citado Delegado bebendo na Associação Universitária Cajazeirense, por motivo fútil, deu uma tapa na cara de um primo de um Sargento que estava na festa. O Sargento foi ao encontro dele, Delegado, e disse: “O senhor não tem o direito de agredir ninguém.”

      O Delegado, que estava com três agentes, perguntou ao Sargento: “quem é Você? O Sargento se identificou e o Delegado mandou os agentes prende-lo, dizendo:  "desta vez eu não vou ser desmoralizado não”.

     Como somos a maioria no policiamento, de repente chegaram duas Guarnições e mais PMs de folga.

      Ficou um fuzuê. O Delegado sem querer abrir mão de prender o Sargento. Isto ele com um copo de bebida na mão. As guarnições fecharam questão e protegeram o Sargento. Daí um soldado assacou, “um desmoralizado desse, bebendo e querendo prender PM”. Os agentes falaram “respeite o delegado”. Fechou o tempo, vendo a hora ter trocas de tiros,

      Em seguida chegou um Delegado centrado e chamou ele (o Delegado irresponsável) e o convenceu de ir embora que não ia ser bom para ele, e assim ele fez.

          Ai foi que o veneno dele aumentou. Eu não tinha para quem apelar. Fiz novo relatório. Não adiantou.

      Dias depois, o Cabo Cruche, da R/R estava brincando de víspora na porta de casa com amigos com aposta de 20 centavos. O famigerado Delegado passou no local, prendeu o Cabo e levou para a Delegacia.

      Eu estava na casa de um amigo, quando fui informado. Chamei duas guarnições, e orientei “se o Cabo tiver preso no xadrez, atire no cadeado e arrebatem o Cabo e se ele estiver em sala livre, uma guarnição pressiona quem tiver custodiando e a outra manda o Cabo ir para a companhia".

      Estavam na delegacia dois agentes que não pactuavam com as atitudes do Delegado.  Ficou fácil para livrar o Cabo e  não deu para eles dizerem que  a Delegacia foi invadida.

     Quando o Delegado prendeu o Cabo, disse “agora pegue seu capitão e evite eu autua-lo em flagrante”. Me "encasquetei" com a piada e montei uma blitz para pegar o Delegado. Na semana anterior tinha havido um atropelamento de uma senhora por um motoqueiro. Peguei esta deixa como pretexto para não parecer que era dirigida.

        O ponto da Blitz era aonde o Delegado passava de doze horas para o almoço. Barreira montada, lá vem o Delegado com uma Moto roubada. Várias Motos estavam retidas e outras apreendidas.

       O Sargento foi bem orientado para agir com equilíbrio. Ao ser abordado, o Delegado foi dizendo, “sou Autoridade Policial”. O Sargento disse “a sua Moto está sem placa e não podemos liberar”. Então ele disse “fale com o Capitão para me liberar ou, então vamos comigo na Companhia”. O Sargento Mangelo resolveu ir com ele na Moto, foi até precipitado, mas, chegou à Companhia.

      O Delegado ficou em cima da Moto e pediu para eu ir falar com ele. Até então ele não sabia que eu estava por trás daquela situação. Daí, mandei tirar ele da Moto e colocar a mesma por cima do muro que era baixo.

      Ele furioso resolveu entrar para falar comigo. Então, como diz o matuto, descasquei a jurema e o chamei de desmoralizado, e disse que autoridade era ele com aqueles comportamentos.

      Ele saiu a pé e disse “não pensei que você estava por trás disso, vou tomar minhas providências”. E eu disse “tome a que quiser desmoralizado”.

         Eu tinha então 27 anos e era muito vibrador. Hoje, claro agiria diferente.

         Logo depois me liga o Superintendente dizendo “Rodrigues o que foi isso, você desmoralizou o Delegado”. Eu respondi, “ele é que é desmoralizado, que vive fazendo barbaridades”, Aí o Superintende disse  que iria  comunicar o fato à Associação dos Delegados. Então eu falei, “você é cúmplice que vivi acobertando as coisas erradas dele”. E bati o telefone.

        No dia seguinte o Delegado foi para a imprensa dizer que sofreu abuso de autoridade e que estava entrando com uma representação criminal contra o Sargento Mangela e o Capitão Rodrigues.

     A mesma imprensa veio me entrevistar, e aí eu falando manso, disse que estava fazendo uma blitz atendendo aos reclamos da sociedade, em razão de um atropelamento de uma anciã, e infelizmente o Doutor Delegado, por quem tenho respeito, ao passar pela Blitz o Sargento viu que a Moto não tinha placa e resolveu segurar a moto e o Doutor Delegado se arvorando de autoridade, não quis ser abordado, foi para a companhia e não liberei a veículo porque era objeto de roubo.

       E aleguei que o fato de eu ser Capitão não dava o direito de andar com veículo roubado.

        No outro dia o Delegado foi exonerado, e eu inocentemente não me preveni. Andava só e relaxado. Certo dia, meu carro estava parado em frente de casa e atiraram nele. Dez minutos depois, eu fechei a cidade com gosto de sangue na boca, e não consegui pegar o autor dos disparos.

       Passei a ter mais cuidado com a segurança pessoal. O clima ficou belicoso. Dois meses depois foram exonerados o Superintendente e eu.

 Só que eu saia com o título de cidadão cajazeirense e eles com e de persona não grata.

       Foi aberto um inquérito e eu entrei com Habeas Corpo para o seu trancamento. Ainda fui ouvido, mas, como não tinha nexo causal a imputação com os fatos, o Juiz mandou avocar o inquérito e arquivou.

     Não aconselho a ninguém pegar determinadas brigas pela instituição.  Na maioria das vezes fica só. Alguns companheiros acharam bom o meu envolvimento no imbróglio.

       Recebi a ligação de apoio, apenas do Coronel Nivaldo Correia, se pondo a disposição, por quem tenho gratidão e apreço.

     Na oportunidade não vi saída, vendo a hora o pessoal matar o Delegado. Relatório não adiantava e a ousadia do Delegado era grande. O Superintende estava lá por comportamento de más inclinações em João Pessoa. Ao final me sai ileso, e os falsos amigos e inimigos desejando que eu me lascasse.

  Continua na página 2

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