O resgate do Soldado Chico Paraíba de uma prisão do Exército Americano

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       O resgate do Soldado Chico Paraíba de uma prisão do Exército Americano é uma crônica publicada no Diário da Manhã de Goiás, e que me foi remetida pelo amigo Ugo Bezerra, residente em Brasília e que é neto do Major Genuíno Bezerra, que foi um dos mais brilhantes Oficiais da Polícia Militar da Paraíba nas décadas de 1910 e 1920.

           Como o texto trata de um Soldado paraibano que integrou o contingente da FEB, julgamos que o fato é pertinente com os temas que aqui abordamos motivo pelo qual passamos a publicá-lo na íntegra como passamos a fazer.

          O resgate do Soldado Chico Paraíba de uma prisão do Exército Americano.

    - Tenente Ithamar! A Polícia do Exército americano veio aqui e prendeu o Chico Paraíba. Dizem que vai ser julgado pela corte marcial.

      Quem falava era o sargento Arlindo, encarregado do alojamento de uma companhia do 11º Batalhão de Infantaria de Montanha, da FEB-Força Expedicionária Brasileira. Estavam próximos à cordilheira dos Apeninos, e  era o inverno italiano, no começo de 1945.O Tenente Ithamar, com seu   grupo de reconhecimento, estava chegando de uma missão noturna junto às linhas alemãs.

      - O que o Chico fez para ser preso?

      -  Disse que  estava cansado dessa ração americana e queria fazer uma  sopa. Deu um  tiro de fuzil numa galinha e fez a sopa. O italiano dono da galinha foi no quartel dos americanos e deu queixa. Eles vieram aqui  e levaram o  Chico. Tentei discutir com eles, mas não adiantou.  Disseram que é crime e está previsto nos regulamentos.

     - Mas também está nos regulamentos que quem julga nossos soldados somos nós mesmos. Você não disse isso a eles?

     -Sim, disse, mas não quiseram ouvir. Eu não sabia o que fazer, eram muitos. Achei melhor esperar o Sr. chegar.

   -Você, Arlindo, que fala inglês, venha comigo. Chame o Gaúcho, e pegue o jipe.

    - Vamos só nós?

   - Não é preciso mais ninguém.

   - Vamos desarmados?

   - Não, armamento completo.

       No trajeto, Ithamar, também paraibano, ia  pensando no seu subordinado e conterrâneo. Chico era um cidadão muito popular na tropa. Sem muita instrução, era, contudo um ás na musica nordestina, cantor, tocador de sanfona, dançarino, contador de causos e piadas. Seu sotaque carregado ajudava. Desinibido e folgazão. Sei que conhecem o tipo. Faz sucesso também em política. Chico era, além disso, bom soldado. Fazia-se respeitar no momento do combate.

      - Arlindo, por que você não impediu o Chico de fazer essa besteira? Perguntou Ithamar.

    - Quando vi, já tinha feito. Disse a ele que ia ter problema, mas ele disse que estávamos numa guerra de matar homens, e que problema ia ter matar uma galinha?

   - Bem próprio da simplicidade do Chico, pensou Ithamar, quando já estavam chegando no quartel americano.

     - Arlindo, quero que você traduza exatamente o que eu disser, seja lá o que for, Entendido?

    - Entendido, meu tenente.

     O sentinela americano relutou em levar até o oficial de dia aquele tenente com o fardamento sujo e seus dois acompanhantes, mas não podia fazer diferente.

     Foram recebidos por um capitão americano com quase dois metros de altura, bem fardado, saudável, acompanhado de quatro outros yanques, que os olhou com certo enfado.

    - Diga a ele que lamento aqui comparecer sem estar devidamente fardado, mas que acabo de chegar de missão recebida do comando conjunto e não tive tempo de me trocar.

    Arlindo traduziu, e o capitão mudou um pouco sua postura, ao notar o olhar cansado do tenente.

    - Ele pergunta em que pode ajudar meu tenente.

   - Venho buscar um soldado meu comandado, indevidamente preso pela Policia do Exercito americano, que segundo ela, cometeu transcrição disciplinar, e a parte correspondente, para que possamos julgá-lo e puni-lo, se for o caso, em corte brasileira, como manda o regulamento.

    -   Ele diz que o soldado preso já tem processo em andamento, e pode ser julgado pelos americanos, pois o chefe do comando conjunto é americano. Assim, não pode entregá-lo.  -traduziu Arlindo a resposta.

    -  Diga  a ele que não sairemos daqui sem meu soldado, pois não aceito a interpretação dele e sou inteiramente responsável por cada um dos meus.

     O americano ouviu, esboçou um sorriso, olhou para os outros americanos e perguntou logo traduzido por Arlindo:

    - Só vocês três? E como vocês pensam em levá-lo?

    -   Arlindo, traduza exatamente, repetiu Ithamar: Eu não disse que iremos levá-lo. Disse que não sairemos daqui sem ele. Isso significa que, se  preciso for, combateremos para levá-lo, embora sejamos minoria e provavelmente morramos aqui.

          O americano ouvia com espanto crescente a tradução. Já se preparava para o pior, quando olhou bem no  fundo dos olhos do atarracado tenente brasileiro. O que viu lá não foi do seu agrado. Também não foi o que não viu. Não viu medo. Não viu raiva nem hesitação. Viu uma calma determinação que não deixava margem a dúvidas. Viu que a afirmação que ouvira com espanto era a pura expressão da verdade.

       Prova é que o tenente estava aferrado à sua Thompson, e por certo faria um estrago  antes de morrer, se um tiroteio começasse ali. E ele estava diretamente  na frente, enquadrado na linha de tiro.          Ou então – quem sabe? – sentiu admiração por aquele tenente exausto, que como ele, lutava longe de  casa pela liberdade, e não abandonava um dos seus nas mãos de estrangeiros, ainda que aliados.

      O silêncio era gritante. Dizia muitas coisas. Mas não durou muito, embora parecesse não acabar mais. Um minuto? Menos.

       O americano virou-se para um subordinado: - Busque aquele caipira e entregue a eles!

     Ninguém falou mais nada. Nem quando Chico Paraíba, risonho, sem saber da tragédia que quase tinha provocado, entrou na sala.

      Ithamar fez a continência de praxe, voltou-se e saiu, com seus soldados e um Chico já tagarelando de alegria. Ouviu o americano falar algo para seus companheiros. Mas nem perguntou a Arlindo o que era. Já não interessava mais. Se tivesse pedido a tradução, seria: “Esses brasileiros são loucos. Morreram às dúzias para tomar o Monte Castelo. Verdadeiros suicidas.”

     (Essa crônica é uma homenagem a Ithamar Viana da Silva, que recebeu várias condecorações por bravura na Itália. Na volta da guerra, fez o curso de engenheiro no IME- Instituto Militar de Engenharia. Reformou-se como  coronel, casou-se  com uma goiana e aqui constituiu família. Foi professor universitário em Brasília e ocupou, com dedicação e  honestidade exemplares, vários cargos públicos em Goiás. Faleceu em 1999).

      Fonte: Jornal Diário da Manhã de Goiânia

    A PM da Paraíba nos combates à revolta de Monteiro em 1912    

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2 Comentários em "  O resgate do Soldado Chico Paraíba de uma prisão do Exército Americano"

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VILSON DUTRA DE SOUZA
Visitante

Excelente cronica! Nela esta inserida a coragem do soldado brasileiro, em especial, o Paraibano e a interação e camaradagem existente na tropa.