Em cima de queda, coice

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      Em cima de queda, coice, é um jargão popular que define a situação em que uma pessoa é castigada duas vezes pelo mesmo fato. Mas, situações dessa natureza literalmente ocorrem com frequência na aulas de Equitação. Casos assim acabam se tornando hilários e inesquecíveis para os seus protagonistas.  Aqui vamos narrar  três casos registrados no CFO 1973/75, na Academia de Polícia Militar do Paudalho.

       Em 1940 foi criado um Esquadrão da Cavalaria na Polícia Militar da Paraíba, que foi instalado na fazenda Simão, no Bairro do Roger, local aonde depois foi um Centro de Instrução e atualmente está sediado o Batalhão de Trânsito. Essa Unidade foi extinta em 1945, a pretexto de contenção de gastos do Governo. O atual Regimento de Cavalaria, denominado Regimento Coronel Sebastião Calixto, foi criado em 1997.  Então tivemos 52 anos sem Cavalaria na Paraíba.

      Dessa forma os policiais da Paraíba, que até 1990 frequentavam os Cursos de Formação de Oficiais em outros Estados, não tinham muita motivação para as aulas de Equitação, pois não viam aplicação dos conhecimentos ali adquiridos uma vez que esses eram voltados para a execução do policiamento a cavalo.

     Mas, pelo menos até 1985, essa disciplina existia no currículo do Curso de Formação de Oficiais realizado na Academia de Polícia Militar de Pernambuco, localizada em Paudalho, que era frequentado por muitos representantes da Paraíba até o final da década de 1980.

    Como essa atividade exigia certo grau de aptidão e destreza física, muitos alunos que não tinham esses atributos sentiam dificuldades nas aulas práticas e isso provocava muitas situações engraçadas. Eu, mesmo sendo afoito, era um desses desengonçados que não se davam bem com os equinos.

    Foi lá em Paudalho que eu paguei essa disciplina no segundo semestre de 1974. As aulas eram nas sextas-feiras à tarde no Regimento Dias Cardoso, em Recife.  O transporte dos Alunos era em um Caminhão Choque, o chamado ”espinha de peixe”.

   Eu já saia da Academia com a bagagem para depois da aula ir para o Clube dos Oficiais, tentar tirar o cheiro do suor dos cavalos e aguardar a hora da seresta dançante que ali se realizava. Nessas aventuras eu sempre estava acompanhado do amigo José Vicente dos Santos, que era aluno da mesma turma.

     Certo dia quando o nosso transporte chegou ao começo da Avenida Caxangá, um fusca atravessou na frente e o Caminhão deu um freio brusco.  A inércia foi levando todos os alunos para frente, deslizando a bunda no banco, e aos poucos foram caindo uns sobre outros de forma lenta. Todo mundo rindo com a situação. Uns caíram só por sacanagem.   Fez-se uma tuia de cada lado do Caminhão.

    No meu lado, um aluno conhecido por Luiz da Papa, que tinha umas atitudes meio histéricas, foi o primeiro a cair e uns quatro ou cinco caíram em cima dele.  Eu fui um deles. Ainda rindo todos foram se levantando. Luiz da Papa foi o último a se levantar.

  Com os braços abertos e com gestos teatrais, Luiz da Papa se aproximou do aluno Viana, que era o Xerife e disse:

  - Estou sem fala. Dê-me água.

 Viana, que era muito aloprado, gritou:

 - Deixa de frescura Da Papa. Como é que tu fala que está sem fala. E nessas horas ninguém lembra de regra gramatical não.  Não é dê-me água, porra. É me dê água.

   Foi a maior gozação. De repente Da Papa ficou bonzinho e seguimos a viagem.

       Mas era nas aulas práticas que ocorriam situações que se tornaram inesquecíveis. Vou registrar três situações ocorridas com alunos da Paraíba

      Os alunos de Pernambuco eram fanáticos por equitação. Quando a gente desembarcava no Regimento eles corriam, pegavam os arreios e ia para o curral pegar os cavalos mais ariscos.  Os menos eufóricos, ou sem nenhuma euforia, que era o meu caso, desembarcavam sem pressa e seguiam lentamente para pegar os pangarés que sobravam.

     A tara dos alunos era dar um passeio na rua simulando um patrulhamento. Mas só quem dominava o cavalo podia participar dessa prática. Só saí uma vez, já no fim do curso. Antes de sair o aluno tinha de ganhar intimidade na sela realizando uma série de exercícios, o que era feito no picadeiro que ficava dentro do Quartel. Era uma área do tamanho de um campo de futebol, cercada e com o piso coberto de areia.

    Uma vez eu cheguei ao picadeiro onde as aulas tinham início, montando um cavalo que quase não andava. E eu fazendo a maior pose.

  O Instrutor chegou perto, apeou e me disse:

  - Ei, desenrolado. Esse cavalo tá baixado. Pegue esse aqui.

     Era o cavalo dele.   Um bichão preto e alto, chamado Corisco. O terror dos alunos.

     Fingi não está com medo e montei. O bicho parecia ter notado a minha inabilidade. E eu lá tenso, tentando dominar Corisco. O Instrutor pegou o cavalo de um auxiliar e mandou recolher o pangaré baixado.

        Começou a aula. O primeiro exercício era a gente sentar atravessado na sela e girar o corpo, ficando de costa para a cabeça do cavalo. Minha destreza não dava para isso.  O Instrutor ficou ao meu lado observando meus movimentos.

    Com muito esforço consegui. Respirei fundo e dei uma relaxada. As rédeas caíram das minhas mãos. Na tentativa de pegas as rédeas os meus calcanhares bateram na barriga de Corisco. Ele entendeu o comando e  disparou. No instinto, agarrei-me no Santo Antônio da sela e curvei o corpo para frente. Corisco, a trote, deu uma volta no picadeiro, com todos os alunos morrendo de rir. E eu lá tentando evitar a queda ou fazer Corisco parar. E nada.

      Só para me humilhar, Corisco passou devagar perto da turma. O Instrutor gritou:

    - Aluno, cadê a cabeça do cavalo?

  Eu quis dar uma resposta malcriada, mas fiquei com medo do pernoite.

   A pergunta do Instrutor fez crescer a gozação da turma.

   Corisco saiu do picadeiro, ainda no trote, e pegou o calçamento no pátio do Quartel.  Toda turma e o Instrutor correrem atrás para me socorrer.

    Corisco foi parar na baia onde eu caí em cima de uma mureta. Fiquei todo arranhado. Suei mais do que tampa de chaleira. Era a expressão do terror.

     O Instrutor entendeu que não era macete meu. Era falta de habilidade mesmo. Nunca mais vi Corisco.

    A gozação durou o resto do curso.

    Vicente era mais afeito a essas atividades e sempre participava dos exercícios de rua.  Na volta para o Quartel ocorria uma disputa para ver quem chegava primeiro. A turma disparava a galope. O Instrutor ia atrás observando. Num desses dias, Vicente ao se preparar para o galope, se desequilibrou e caiu no calçamento. O fundo do culote se rasgou e mesmo assim ele saiu correndo atrás do cavalo. Vexame geral.

      O Instrutor se aproximou e bradou:

  - Aluno, quem mandou apear?

  Ele se recompôs, montou e galopou mesmo todo arranhado.

     No Quartel, quando a turma estava reunida para ser liberada, o Instrutor narrou a queda de Vicente.  Pronto, era mais um no álbum para a gozação.

    Outro dia o escolhido para dar vexame foi o aluno Nery, também da Paraíba. A colocação dos arreios nos animais também era praticada pelos alunos. E isso exigia certo cuidado. Nery era pouco afeito nessa tarefa.

       Tinha outro exercício que era uma forma acrobática de apear. O aluno se sentava de lado na sela, se apoiava no cabeçote e inclinava o corpo para trás e ia levantando as pernas estiradas até chegar a uma posição que  permita uma espécie de cambalhota, com o cavaleiro caindo em pé, de costas para o cavalo.

      Nery tinha flexibilidade suficiente para esse exercício. E ia muito bem. Mas quando as pernas chegaram à vertical, já no ponto da cambalhota, a sela, que estava folgada, rodou e Nery caiu sentado por baixo do cavalo Pachola, que se assustou e fez carreira.

      A teoria dizia que o cavalo nunca pisa o cavaleiro caído.  Pachola bem que tentou fazer isso, mas ao tomar impulso para a arrancada, o casco da pata traseira atingiu a “micuca” da cabeça do assustado aluno. Foi, literalmente, um cascudo. Em cima de queda, coice.

     Nery se levantou batendo a areia colada no corpo e coçando a cabeça. Mesmo  com a cara trancada para a turma ele não conseguiu evitar a gozação  que já contava com a adesão do Instrutor. Durante o restante do curso Nery engrossava com as gozações, mas nunca conseguia evitá-las.

   Por certo todas as turmas da Paraíba que por ali passaram vivenciaram muitas situações dessa natureza.

     Foram os casos, por exemplo, de Fernando Beltrão e Marcos Marconi, que protagonizaram cenas hilárias com quedas espetaculares nos arredores da Academia do Paudalho, o que poderá ser objeto de uma futura narrativa.

    Mas os que foram gozadores ou protagonistas dessas aventuras nunca irão se esquecer.

Veja também 1º de maio de 2016: Vinte anos do falecimento do Major José Vicente  

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