Punição assessória

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Punição assessória é o que podemos denominar a publicação em boletim do Comando Geral de uma nota em que é narrado em detalhes uma ocorrência na qual um Oficial se revelou totalmente despreparado para o exercício das suas funções, ou desprovido do mínimo da coragem indispensável para o cumprimento do dever de um Policial Militar, o que constituía uma rara exceção naquele tempo, como nos dias atuais.

Por disposição regulamentar, as punições aplicadas aos Oficiais têm caráter confidencial, ou seja, não são do conhecimento do tropa, ao menos em caráter formal. Por essa razão a publicação aqui em referência, assim com os seus termos, tomam conotações de punição assessoria.

Na época dos fatos aqui relatados, ocorridos no Governo de José Américo, o Comandante da Corporação era o Coronel Ivo Borges da Fonseca, um Oficial do Exército de muito prestígio político e que já havia exercido essa função por duas vezes, em Governos anteriores. Ivo Borges era tido como um homem enérgico e disciplinador, mas que tinha um bom relacionamento com a tropa.

O fato revela também o grau de dificuldade que, naquela época, a Corporação tinha para cumprir a sua missão, destacando-se, nesse caso, a falta de transporte e comunicação.

Vejamos pois, o que se extrai da publicação aqui mencionada, devidamente adaptada para o texto de uma crônica, omitindo-se os nomes dos envolvidos, inclusive o político, e dando nome fictício ao protagonista dos fatos. É o que se segue.

Fazia mais de meia hora que a pelada tinha começado. Era no meio de uma das principais ruas de Pedras de Fogo. A garrotada, se utilizando de uma bola de borracha, fazia muito barulho e gritava palavrões. Fazia tempo que a meninada se reunia para aquela prática, o que dificultava a circulação de pessoas pelo local, temendo levar uma bolada. Dona Amélia, uma idosa senhora, que sempre transitava por ali, sentiu-se incomodada quando foi atingida nas costas por uma bolada vinda de um tiro de meta e deu parte ao Subcomissário, o Sargento Nunes.

De imediato o Soldado Jurandir recebeu a missão de acabar com a festa dos jovens peladeiros. Sem maiores delongas Jurandir foi lá e apreendeu a bola que era de Juninho, filho de um Médico, Chefe Político da cidade. O dono da bola ficou revoltado, xingou o Soldado e disse que iria dizer ao seu pai, o que gerou uma pequena discussão entre eles.

Era uma quarta-feira, dia 18 de junho de 1952, e os comentários sobre o fato de repente correram por toda cidade e chegaram ao conhecimento do Médico-Político.

Prevendo uma reação violenta do pai de Juninho, conhecido por prática de arbitrariedades, o Sargento Nunes foi procurá-lo pedindo desculpas e garantindo que o Soldado seria recolhido ao Quartel e o fato seria comunicado ao Comandante. Mas o Chefão respondeu que poderia deixa-lo na cidade pois pretendia manda-lo para o Quartel escamado.

Ao anoitecer da sexta-feira, dia 20, o Chefão e três capangas sequestraram Jurandir na porta da Delegacia. Nunes ficou apavorado e, sem meios de agir, se dirigiu imediatamente ao Quartel, na Capital, de onde, já na madrugada do sábado, foi conduzido pelo Oficial de Dia à residência do Comandante Geral, o Coronel Ivo Borges, a quem relatou o corrido.

O Comandante determinou que o Tenente organizasse uma Patrulha e fosse com o Sargento até Pedras de Fogo com a missão de resgatar o Soldado e prender os seus sequestradores. O Chefe de Polícia foi cientificado dos fatos.

Na manhã do sábado, dia 21 de junho, o Comandante e o Chefe de Polícia se dirigiram ao Quartel para saber o andamento da diligência, verificando que até então dela não se tinha notícias.

Foi então organizada outra Volante. O Comandante, que tinha convocado vários Oficiais para a reunião, solicitou que um deles fosse voluntário para a missão. De imediato o Tenente Pedro Pinheiro, tido como muito valente, se voluntariou para o serviço.

Foram repetidas as ordens para resgatar o Soldados e prender os sequestradores. E Patrulha saiu.

Na madrugada do domingo, dia 21, o Tenente Pinheiro foi bater na casa do Comandante informando que tinha trazido o Soldado Jurandir, que foi deixado em um lugarejo perto da cidade, depois de ter levado uma surra.

Indagado sobre os Sequestradores, Pinheiro disse que também encontrou o Dr., mas não o prendeu porque ele estava atendendo a um paciente que estava em estado de saúde muito grave, mas que tinha se comprometido a ir na Delegacia na noite seguinte.

Pinheiro notou que o Comandante não estava acreditando na sua história e pediu ao Chefe que perguntasse ao Sargento Barros, que estava na diligência com ele e testemunhou o ocorrido.

Na manhã da segunda-feira, dia 23, o Comandante chegou no Quartel, juntamente como Chefe de Polícia e reuniu a oficialidade para analisar a questão. Resolveram ouvir o Sargento Barros, que afirmou:

 - Comandante, é mentira do Tenente. O Doutor estava embriagado e humilhou a gente. Ficou andando na rua, pra cima e pra baixo, sem camisa, com um revolver mão e esculhanbando com a Polícia e o Tenente nada fez nem mandou a gente agir.  Todos da Patrulha ficaram revoltados.

Pinheiro foi chamado para dá explicações e entrou no Gabinete do Comando chorando e em tom de desespero disse que realmente foi humilhado pelo Doutor.

O Comandante, irritado, determinou que Pinheiro voltasse com a sua Patrulha e retomasse a sua honra, prendendo o acusado.

Quase a meia noite, do mesmo dia, Pinheiro foi outra vez na casa do Comandante informar que procurou na cidade toda, mas o Doutor tinha fugido.

Pinheiro pegou 30 dias de prisão, e, como pena assessoria, o Comandante publicou em boletim ordinário uma nota narrando em detalhes todos fatos como forma de deixar evidenciada a falta de preparo para o exercício da função ou grande covardia daquele Oficial, que aqui tem um nome fictício.

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