Santuáro da Nossa Senhora da Penha em João Pessoa

Policiamento da festa da Penha: Um passeio no passado

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Refletir sobra o  policiamento da festa da Penha é fazer um passeio no passado. Evento que há mais duzentos anos reúne fies de todo o Estado, esse acontecimento é objeto de especial atenção por parte do Comando da Polícia Militar.  O comportamento das pessoas durante esses festejo, que revelam a realidade de uma época, e a forma de atuação da Polícia sempre vêm a memória quando lembramos as antigas festa de Penha. Participei de um desses policiamentos e vou registrar como isso se deu.

 A Festa da Penha, realizada há dezenas de décadas, no segundo fim de semana de novembro de cada ano, é umas das maiores manifestações religiosas da Paraíba. Nos últimos vinte anos esse evento tomou proporções gigantescas, com dezenas de milhares de fiéis participando de uma procissão em homenagem à Nossa Senhora da Penha.
      A procissão sai na noite do sábado, da Igreja de Lourdes, no centro de cidade de João Pessoa, e segue em direção à Capela de Nossa Senhora da Penha, localizada em uma parte elevada da praia com o mesmo nome. É um percurso de quatorze quilômetros de distância.  Participam desse ato gente de todas as idades e classes sociais. Muitos fiéis conduzem ex votos para depositar em um lugar próprio para esse fim, no santuário, ao lado da capela da Penha.
           Para dá suporte a esse mega evento, é montada, pelo poder público, e pela comunidade religiosa, uma grande logística, onde a segurança pública tem um papel relevante. São centenas de policiais empregados na segurança do evento. Cerca de dez trios elétricos são distribuídos ao longo do percurso reproduzindo o som dos cantos e das orações.
      Mas, é da festa da Penha no decorrer da década de 1970 que eu quero fazer alusão.
      Entre as quatro e cinco horas da manhã os fiéis começavam a chegam à Capela, onde assistem à missa, quase sempre celebrada pelo Arcebispo de João Pessoa, e em seguida, quase todos retornam às suas casas. Mas durante o dia era realizadas missas em diversos horários, nas quais a maioria dos participantes era do interior do Estado.
       Paralelos aos atos religiosos eram desenvolvidas intensas atividades profanas nas proximidades da Capela, principalmente na faixa de areia da praia, localizada aproximadamente a cem metros da Igrejinha, área esta que fica bem iluminada durante a festa. Famílias inteiras residentes no interior, formadas por pessoas humildes, grande parte da área rural, compareciam para pagar promessas, A Viajam, às vezes a noite toda, era feita em ônibus contratados só para esse fim, e que nem sempre oferecem condições de segurança.
     Durante a viagem esses devotos entovam cantos religiosos o tempo todo, e quando desembarcavam na praia, soltavam foguetões e davam vivas à Nossa Senhora da Penha.  Chegavam ainda pela madrugada e iam se acomodando como podia na calçada ou no pátio da igreja, e principalmente na faixa de areia à beira-mar. Junto a elas era arrumadas as bagagens, onde o volume maior é de comida.
     Depois de acomodado esses romeiros iam à igreja onde homens, mulheres e crianças retiravam seus chapéus em reverência à Santa, faziam suas orações e depositavamm seus ex votos. Para expressar a fé ou em sinal de reconhecimento a uma graça alcançada, muitos romeiros sobiam de joelho os mais de trezentos degraus da escadaria que liga o pátio da Igreja à praia.
         Os joelhos ficam esfolados, mas eles não se mostram abatidos com  a dor, o que era substituído pelo ar de satisfação do dever religioso cumprido. Em seguida partiam para a diversão. Banho no mar, ou em um riacho existente nas proximidades, conhecido como rio do cabelo, e que atualmente está totalmente poluído, muita bebida, e dança de forró em pavilhões improvisados para esse fim, eram as bases das diversões dos adultos integrantes desses grupos de romeiros.
       Só depois das quatro horas da tarde do domingo essas delegações de fieis começavam  a retirada, externando visível cansaço, sinais de ressaca e exagerados bronzeados em todo corpo.
      A maior preocupação do policiamento nesses festejos era com os pequenos furtos, facilitados pela grande quantidade de pessoas embriagadas, e com atentados ao pudor, também decorrentes de embriaguez. Era raro o registro de lesão corporal ou de homicídio nessa ocasião. Pode-se até se dizer que era uma festa tranquila.
    Naquele tempo a energia elétrica só chegava até a Igreja. As vias de acesso ao local eram  muito estreitas e em meio a um intenso matagal, por onde a procissão passava exprimida. Os forrós dos pavilhões eram iluminados a candeeiros, e o som que dominava era o do bombo e do triângulo.
         A sanfona e a voz dos cantores, se esgoelando, só eram ouvidas de dentro do pavilhão. Na beira da praia existia uma extensa faixa coberta por uma planta que alcançava aproximadamente dois metros de altura e era conhecida por guajiru. Durante a noite esse local, onde existiam muitas trilhas, era utilizado como motel por muita gente. Por vezes a prática de prostituição se tornava ostensiva.
   Um Posto Policial, instalado em uma casa que  foi invadida pelo mar no decorrer das décadas de 1980 e 1990, servia de base para atuação do policiamento. Ali existiam duas salas que eram utilizadas como xadrez, uma sala de recepção e um único banheiro, em precárias condições. Era comum o registro de muitas lesões corporais e alguns homicídios.
         Dezenas de pessoas eram detidas durante a noite, quase sempre por embriagues e desordem. Era o que se denominava de prisão para averiguação. Na verdade o xadrez se tornava um local de curtir a embriaguez, pois à medida que os detidos iam ficando curados da bebida, eram liberados na condição, arbitrária, de ir embora para casa, sob pena de se fosse encontrado na praia outra vez, voltar a ser preso. Só eram conduzidos presos para a Central de Polícia, localizada no Centro de Cidade, quando havia um flagrante de furto ou roubo, lesão corporal, homicídio ou estupro.
       Nesses casos se esperava juntar pelos menos uns cinco presos  para se fazer um transporte só.  Em cada turno ocorria uma operação desse tipo.
    Nos arquivos da Polícia Militar encontramos registros da execução de policiamento nesse evento desde o início da do século XX.   No decorrer da década de 1930, o então Tenente Calixto foi o Oficial que mais se destacou no comando desse policiamento.
     Em 1977, como 2º Tenente, comandei o efetivo empregado nesse evento. Cheguei à praia às dezesseis horas do sábado e sai no domingo às vinte horas.  A cada turno de oito horas foram empregados cerca de quarenta homens, sem contar com o pessoal do Trânsito, que era comandado pelo Tenente George.
      Em cada turno era servida uma refeição preparada no Rancho do 1° Batalhão.  Foi utilizado o Uniforme de Instrução da farda azul, que era pesado e muito quente. A atividade foi estafante e via-se claramente que os policiais ao sair de serviço estavam estropiados.
         Como ocorria todos os anos, foram montadas barreiras policiais, feitas pelo pessoal do trânsito, durante toda a noite, nas duas únicas vias de acessos ao local, que eram estradas carroçáveis. Todos os passageiros das dezenas de Ônibus e de centenas de automóveis que por lá transitavam, desembarcavam e eram revistados, inclusive nas suas bagagens.
        As facas peixeiras, e outros instrumentos cortantes, inclusive facões e foices, que foram apreendidas, quase encheram um saco de estopa. Apenas quatro armas de fogo foram apreendidas, das quais duas eram de fabricação caseiras.  A quantidade de veículos apreendida foi tão grande que a condução para à CPTran durou o domingo todo uma vez que era pequena a quantidade de policiais habilitados para esse fim. A maioria das infrações era emplacamento atrasado e falta de habilitação.
      Seis patrulhas, de cinco homens cada, faziam  rondas permanentemente  em toda área da festa. Andar de coturno na areia, e no escuro, era muito cansativo. As lanternas utilizadas pelos Comandantes das patrulhas tinham muita aplicação, mas a orientação era para não entrar nos guajirus para não causar constrangimento nas pessoas que ali compareciam só para práticas sexuais. Mas, durante o dia foram feitas muitas rondas nesse local, inclusive com apreensão de armas brancas.
      Duas ou três vezes, em cada turno, eram feitas revistas pessoais nos forrós, onde outras facas eram apreendidas.  Tinha um pavilhão no pé da escadaria que deu confusão a noite toda. Foram feitas mais de vinte prisões por embriagues e desordens, só nesse forró.  Sem contar que muitas brigas eram resolvidas na conversa pelos policiais.  Em outro pavilhão, na beira da praia, teve menos problemas. Foram só uns cinco casos. Ninguém reagia à prisão.
        Mais ou menos às quatro horas da madrugada o xadrez ficou cheio, e teve início uma triagem para liberar os menos bêbados. Mesmo assim, não cabia mais ninguém, e continuava a chegar presos. A solução foi desativar uma Patrulha para vigiar os novos presos que iam ficando sentados na calçada do Posto. Ao amanhecer, eram mais de vinte só nessa situação. Uma nova triagem liberou mais de cinquenta, mas não esvaziou o xadrez.
    Depois das seis da manhã começaram a chegar queixas de furtos. Os bêbados pegavam no sono na areia e quando acordavam estavam sem as carteiras e os relógios. Alguns suspeitos detidos ainda com os objetos furtados foram encaminhados à Central de Polícia. O transporte era feito, em grupos de até dez presos, no compartimento xadrez de uma Viatura Veraneio. Ficava meio apertado, é verdade.
     Logo cedo, no pé da escadaria, foram detidos dois homens que bancavam o jogo do  “essa perde  e essa ganha”, que é  uma forma de estelionato aplicado nos matutos ansiosos por lucro fácil.  Os malandros, que já eram muito conhecidos nessa prática, foram conduzidos à Central de Polícia.
      Lá pelas dez da manhã, as queixas passaram a ser de atentados ao pudor. Bêbados, ou não, passavam as mãos nas pernas das mulheres dentro d’água e começava a confusão. Quando a Polícia chegava ao local, o tarado já tinha apanhado muito e por conta disso não aparecia vítima nem testemunha. O cara ficava preso até o fim da festa.
        Na hora em que os romeiros começam a se preparar para sair começa a aparecer outro tipo de confusão. Era a falta de pagamento das contas nos locais de venda de bebidas ou nas barracas que alugavam câmaras de ar de caminhão, que eram utilizados como bóias, calções e maiôs, pois quem alugava achava que tinha comprado essas peças. Os calções e maiôs alugados eram de helenca, se mostravam encardidos pelo uso e eram muito folgados, o que deixam seus usuários meio jegues.  Às vezes a Polícia tinha de ir pegar peças desse tipo dentro dos ônibus.
        No ano anterior tinham ocorrido três homicídios e a preocupação da Polícia era evitar que isso se repetisse.
      Eu e George saímos do serviço  muito estafados, mas, certo de que tínhamos cumprido os nossos papéis. Entretanto,  na manhã seguinte tomei conhecimento de que foi encontrado o corpo de um homem, dentro dos guajirus, com sinais de golpes de faca peixeira.

      Mesmo consciente de que ajudei a evitar muitos crimes, fiquei frustrado com essa notícia, que foi o único registro que a impressa fez da festa. Todo esforço feito pelo policiamento ficou inteiramente no anonimato. Inclusive pelo Comando da Corporação.

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