As Presepadas do Tenente Afanato

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            As presepadas do Tenente Afanato eram muito conhecidas pelos policiais que serviram na PM da Paraíba nas décadas de 1960/70.  Afanato era um Tenente do Quadro de Administração e que durante muito tempo foi Delegado de Polícia no interior, onde, por certo, ocorreram muitas das suas presepadas. Aqui vamos relatar algumas dessas "estórias” mais conhecidas.

       Durante os trinta anos que passamos na Polícia Militar, tivemos a oportunidade de conviver com companheiros dos mais diferentes tipos de comportamento, dos quais guardamos muitas recordações. Tinha os de marcante presença de espírito, sempre com “tiradas” engraçadas e inteligentes.  Esses estavam sempre bem humorados e dispostos a fazer brincadeiras com os que davam motivos para gozação, que era o bullying da época.

       Sofremos com os ranzinzas e pessimistas extremados para os quais tudo estava errado. Compartilhamos com os sonhadores por melhores dias. Muitos eram vibradores, competentes e dedicados à Corporação. Outros poucos não queriam nada, mas exigiam tudo. Tinha muitos “desenrolados” que sabiam fazer tudo e tudo faziam, e alguns “enrolados” que tinham dificuldade para fazer qualquer coisa, e poucos “maceteiros” que sabiam fazer tudo mais faziam que  não sabiam, para nada fazer. Valentões de verdade, mas discretos, dividiam o mesmo espaço com medrosos fanfarrões

       Mesmo com essa diversidade de perfis humanos, havia muita harmonia, camaradagem e companheirismo. Enfim, éramos gente. Hoje não pode ser diferente, pois a natureza humana em muitos aspectos é imutável.

       Mas, nesse espaço, queremos fazer alusão a uma figura que, no decorrer da década de 1970 e começo da seguinte, ficou muito conhecida no âmbito da Corporação pelas suas presepadas e ações de “vivacidade”, nem sempre ética.  Era o que poderíamos denominar de figura pitoresca. Seu nome era José Afanato e suas peripécias poderiam inspirar o saudoso Ariano Suassuna na criação de tipos como o de João Grilo.

          Conheci Afanato em 1976 e ele, já com 56 anos de idade, era 1º Tenente antigão.  Os Tenentes, todos com menos de trinta anos, tinham o maior respeito por ele. Concorríamos à escala de Oficial de Dia no 1º Batalhão.  Mas todos os Oficiais que recebiam o serviço dele tinham problemas. Naquela época ficava à disposição desse serviço muitas armas, munições e equipamento para utilização em caso de emergência.

        Esse material ficava em um baú no alojamento do Oficial de Dia.  Pois é, de vez em quando Afanato escondia parte desse material na hora da passagem de serviço.  Se o material não fosse conferido de forma bem detalhada, quem entrasse de serviço ficava responsável por futuras constatações de faltas. As armas eram mais fáceis de conferir, mas tivemos de comprar muitos cartuchos de 38 para cobrir essas brincadeiras de Afanato.

        O Tenente Coronel João Valdivino da Silva, que Comandou o 1º Batalhão e era conhecido e admirado pela presença de espírito, dizia, em tom de gozação, que quem tinha o nome de Afanato, e agia como ele, deveria ter uma mãe vidente.

         Eram muitas as estórias que contavam de Afanato. Algumas pareciam ser inventadas ou praticadas por outras pessoas, mas, de qualquer forma, eram a cara dele.

      Vamos tentar reproduzir cinco desses feitos de Afanato que espelham bem o seu perfil.

       Afanato era Delegado de Polícia no interior e certa vez foi convidado por um rico comerciante local para o casamento de uma das suas filhas. Na hora da festa Afanato chegou, fardado, com dois Soldados, todos com mochila de campanha, fuzil a tiracolo, capacete com malha de camuflagem, cheia de ramos de árvores e com a cara pintada de preto. Mandou chamar o pai de noiva e disse:

  -  O Senhor me convidou para festa, mas eu tenho de sair agora em uma diligência urgente, e vim dizer ao Senhor que o que eu e meus Soldados iríamos  comer e beber, o Senhor me dê em dinheiro.

     De outra feita Afanato, ainda como Delegado, fez uma rifa com um Fuzil do Destacamento e vendeu todos os bilhetes no comércio da cidade. No interior, naquela época, todo mundo queria ter uma arma daquela. Depois da venda dos bilhetes, Afanato não deu mais notícias aos apostadores.

      Depois de alguns dias, Afanato passava na feira, recolhendo os “donativos” para a Delegacia, e quando ele estava bem no meio do povo, um comerciante, querendo desmascarar o Delegado, gritou de longe:

   - Tenente, como foi o sorteio do Fuzil?

    Afanato se virou, abriu os braços e de forma bem teatral e respondeu:

  - Ah .. meu filho.. a água só corre pra o mar... quem ganhou o Fuzil foi o Comandante da Polícia.

       Afanato era um homem muito conversador, metido a orador, baixo, gordo, alvo, careca, meio desmantelado, e com pouco asseio com a indumentária. No começo da década de 1970 ele passou um tempo servindo no 2º Batalhão, em Campina Grande.

          Naquela época alguns Oficiais, principalmente os mais jovens e solteiros frequentavam as casas noturnas da cidade, e para isso costumavam se vestir bem.  No alojamento existiam vários armários para os Oficiais laranjeiras, que eram os que moravam no Quartel. Como a convivência era harmoniosa, a maioria desses armários não tinham chaves.

          Pois é, não é que Afanato resolveu aprontar.  Quase toda noite ele saia escondido, com a roupa de um laranjeira.  Era paletó, blusão, camisa social, calça, sapatos, óculos escuros, e até perfume. Qualquer que fosse o manequim dava certo. Apertada, folgada, suja, limpa, não importava. Lá ia Afanato tirar onda.

        Quando essa astúcia foi descoberta foi a maior confusão.  Teve gente que até deixou de vestir as roupa usadas por Afanato. No rol das coisas alheias usadas indevidamente por Afanato constava ainda, sabonete, toalha, estojo de barbear, pasta dental e até escova de dente.

         Pertencente ao Quadro de Oficiais da Administração Afanato chegou ao oficialato aos quarenta e três anos de idade. Portanto, era considerado um homem velho para ser Tenente. Por esse motivo ele era tratado com muito carinho pelos companheiros do mesmo posto, mesmo se sabendo dessas suas facetas.

          Numa dessas noitadas em Campina Grande, Afanato estava acompanhado do Capitão João Ribeiro, outra figura curiosa, que igualmente era do Quadro da Administração, e também tinha mais de quarenta anos, mas era muito vaidoso e buscava parecer ser mais novo. Para ganhar atenção das mulheres, Ribeiro dizia que Afanato era seu pai e que tinha trazido ele para se divertir.

            O papo nesse sentido rolava solto com todo mundo fazendo gozação de Afanato. E ele quieto. Lá pras tantas Ribeiro saiu do salão com uma das profissionais da casa. De imediato, Afanato pediu o prato mais caro que era servido no local, cigarro, tira-gosto e bebida para ele e para as meninas, todas empolgadas com as gentilezas do pai de Ribeiro.

      Depois dessa farra, ele pediu que a conta viesse o mais rápido possível.  Quando chegou a conta Afanato disse.

     - Hoje é meu aniversário. Quem vai pagar a conta é meu filho.

      Fez isso e saiu.

      Cerca de duas horas depois Ribeiro voltou e procurou Afanato, sendo informado de que seu “pai” tinha ido embora e deixado uma conta alta pra ele pagar. Ribeiro quis protestar, mas não teve saída. Teve de pagar.

      Ribeiro que tinha sido goleiro do Bando Azul, um time de Cruz das Armas, e dizia ter praticado luta livre, tinha fama de valente e  sempre portava uma pistola a que ele chamava de “brocadeira”, que, segundo ele, tinha sido utilizada em muitos “serviços”, embora nunca se tenha constatado a veracidade das muitas bravuras que ele dizia ter realizado. Mas, de qualquer forma, ele era temido.

      Quando Ribeiro chegou ao Quartel, sacou a “brocadeira“ e se dirigiu para a cama de Afanato, onde tinha uma pessoa dormindo e bem coberta, naquela fria madrugada de Campina Grande. Ribeiro puxou o vulto pelos pés.

         Era um Major, também com fama de brabo, que era Delegado no sertão e estava de passagem naquele Quartel. Foi a maior confusão para Ribeiro explicar ao Superior o que estava acontecendo.

   - Ah.. disse o Major, é por isso que Afanato me pediu pra trocar de cama com ele dizendo que o colchão dessa ao lado, onde eu estava,  tinha pulga e ele já estava acostumado e dormir nela. Depois ele se deitou aí.. e sumiu.  Êita cabra presepeiro.

        Afanato dormiu numa cama no Xadrez do Batalhão, com a chave das grades no bolso.

   No dia seguinte a turma do deixa disso interveio evitando uma possível violência de Ribeiro, que passou a ser vítima de uma grande gozação.

    Água Branca foi uma das muitas cidades aonde Afanato foi Delegado, e como era comum dormia na Delegacia. Certo dia quando os dois soldados e o Cabo do Destacamento chegaram à Delegacia, logo cedo da manhã, encontraram Afanato chorando feito uma criança e ficaram compadecidos.

    O cabo perguntou o estava havendo e Afanato, abraçado com ele e se derramando em choro disse:

   - Eu sou um infeliz. A minha mulher morreu e eu não tenho um tostão para ir lá em casa para fazer o enterro.

     O espírito de solidariedade dos companheiros brotou de imediato.

 - Lamento a sua situação Tenente. Mas nós vamos lhe ajudar, disse o Cabo.

   Os policiais deram uma volta na cidade e pouco depois chegaram e entregaram ao Tenente um pacote de dinheiro que coletaram no comércio.

   Afanato abraçou os companheiros, ainda chorando e se despediu.

   Dias depois, uma Senhora bem vestida e falante chegou à Delegacia procurando Afanato.

  - Ah minha senhora, disse o Cabo em tom de pesar, o Tenente foi pra João Pessoa fazer o enterro da esposa dele.

 - Como é a história? Gritou a mulher, e continuou. A esposa dele sou eu e faz cinco dias que ele não dá notícias.

     Expressando toda a sua revolta, a mulher se aboletou em uma cadeira e disse em tom de ameaça:

  - Vocês vão ter de dar conta dele. Eu só saio daqui quando souber onde ele está.

    Os policiais se entreolharam e perceberam a mancada que tinham dado. Foram até o Posto Telefônico e pediram ligações para todas as Delegacias das cidades vizinhas.

   Depois de muito moído, descobriram que Afanato estava alojado em um cabaré em Monteiro com um bando de raparigas, na maior devassa.

       Em 1980, quando a atual sede do Clube dos Oficiais estava em construção, o carnaval do Clube foi realizado no prédio aonde funcionava a estação da Labre, localizada no Bairro de Jaguaribe.

     No último dia de carnaval, no auge da animação dos foliões, a orquestra, mesmo alertada, deu uma mancada e Afanato, meio embriagado, pegou o microfone e começou a discursar dizendo coisas sem nexos. Todo mundo começou a rir. Mas ai, ele se empolgou e começou a falar coisas obscenas e os foliões se revoltaram.

      Foi a maior correria para tomar o microfone de Afanato.

      Muitas das estórias de Afanato são impublicáveis. Mas as aqui relatadas podem expressar o seu perfil.

     É interessante como todos nós gostávamos dele.  Na verdade, Afanato era uma figura.

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2 Comentários em "As Presepadas do Tenente Afanato"

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Givanildo fortunato
Visitante

Eu tenho o sobre nome Fortunato, minha Mãe e da Paraíba queria saber se a uma ligação com a família