Paraíba, mulher macho

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       Paraíba, mulher macho, título de uma música de Luiz Gonzaga,  é uma expressão que sempre desperta a curiosidade por parte de pessoas de outros Estados, e até mesmo pela maioria dos paraibanos que desconhecem o seu significado e a sua origem. Por vezes ela é interpretada de forma pejorativa e discriminatória.  Por essa razão muitos tentam explicar a sua origem e daí extrair o seu significado. É o que também buscaremos fazer neste artigo.

        Para melhor se entender o sentido e a origem dessa expressão é necessário se conhecer, mesmo que de forma sintética, algumas curiosidades e pelos menos três  fatos políticos com ela relacionados.

Vejamos, pois,

        Quando citamos os nomes dos Estados do Brasil, 10 deles são precedidos da preposição “de” (Pernambuco, Alagoas, Sergipe, São Paulo, Santa Catarina, Rondônia, Minas Gerais, Tocantins, Goiás, Roraima).  Outros 14 são precedidos da contração da preposição “de” com o artigo definido masculino “o” ou seja, “do” (Amazônia, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Espirito Santo, Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Acre, Amapá). Apenas, Bahia e Paraíba, são precedidos da contração da preposição “de” com o artigo  definido feminino singular “a”. Ou seja, esses nomes (Bahia e Paraíba) seriam substantivos femininos.

      Paraíba é o nome de um rio e do seu vale. Portanto, Paraíba, sendo o rio ou o vale, seria um substantivo masculino.

     Segundo se conta, essa questão foi muito discutida na Constituinte Estadual de 1890, que só durou dois anos.  A Constituição seria “da” Paraíba ou “do” Paraíba?   A questão foi considerada irrelevante e se adotou a já consagrada forma advinda desde os tempos da Colônia e do Império (Capitania da Paraíba e Província da Paraíba), ou seja, “da” Paraíba.

      Outros três fatos relacionados à origem da expressão “Paraíba, mulher macho” são de ordem política, os quais passamos a sintetizar.

     O primeiro desses fatos ocorreu no dia 29 de julho 1929 quando João Pessoa, o Presidente de Paraíba, denominação dos Governadores na época, por razões políticas, rompeu relações com o Governo Federal, ato que ficou conhecido como o dia do nego. Para a situação política da época, essa foi uma decisão corajosa, pois os Estados dependiam muito do Governo Federal.  Tanto é assim que apenas Rio Grande do Sul e Minas Gerais, Estados economicamente bem mais desenvolvidos que a Paraíba, tomaram a mesma atitude.

     Esse gesto fez com que a Paraíba fosse vista como um Estado independente e corajoso, o que a cultura machista, fazendo alusão ao feminino do termo Paraíba e a coragem, um atributo masculino, traduzia com a expressão “Paraíba, mulher macho”.

      O segundo fato político relacionado ao que estamos abordando surgiu em decorrência dos anteriores, quando em março de 1930 teve inicio um movimento armado no sertão da Paraíba, mas precisamente na cidade de Princesa, liderando pelo Deputado Estadual José Pereira Lima, o que ensejou muitos confrontos entre tropas da Polícia Militar e os militantes daquele movimento. Houve muitas mortes de ambos os lados da luta.

     Pereira, nome relacionado ao líder daquele movimento, é a árvores que produz pera, portanto é uma madeira, ou como se diz popularmente, um tipo de pau. O uso do substantivo feminino conferido à Paraíba e os termos, Pereira, pau e Princesa vão se combinar na metáfora da letra de uma música famosa, que será objeto do nosso tópico a seguir.

     Finalmente o terceiro fato politico relacionado ao tema. Em 1950 as eleições realizadas na Paraíba foram marcadas por atos violentos ocorridos em comícios realizados em Campina grande, no dia 9 de julho.

    O grupo político do Governo, que era da União Democrática Nacional (UDN), se aliou com outros partidos, formando a Coligação Republicana, que tinha como Candidatos a cargos majoritários: Argemiro de Figueiredo, para Governador e José Pereira Lira, para Senador. Esse grupo apoiava o Brigadeiro Eduardo Gomes para Presidente da República que fazia oposição a Getúlio Vargas que tinha sido deposto em 1945 e tentava voltar ao poder.

   

        A oposição também fez aliança, a que foi denominada de Coligação Democrática, na qual José Américo de Almeida foi candidato a Governador e Rui Carneiro, candidato a Senador. Era esse grupo que apoiava Getúlio Vargas para Presidente.

       No dia 9 d julho de 1950 as duas Coligações programaram comícios em Campina Grande, a terra natal do Candidato Argemiro de Figueiredo. Para reforçar o policiamento da cidade durante aqueles eventos, o Comando da Polícia deslocou da Capital um efetivo, sob o Comando do Major Acendino Feitosa, Major Maurício Leite e o Capitão João Gadelha de Oliveira.

     A Coligação do Governo solicitou ao Tenente Albertino, Delegado da cidade, que fosse liberada a Praça da Bandeira, no Centro de cidade, para realização da sua manifestação, o que foi concedido.  Pouco depois, a outra Coligação fez o mesmo pedido, que foi indeferido, em razão do espaço pretendido já ter sido cedido ao outro grupo. Houve resistência, mas foi contornada, com o grupo de partidários de José Américo resolvendo fazer o Comício em outro lugar da cidade.

       Uma grande multidão compareceu a ambos os eventos. Eram  partidários da capital, do brejo, do sertão e do cariri. Gente de toda parte do Estado. Muito fanatismo. Ânimos exaltados. Clima tenso.

     Os Comícios, que começaram pouco depois do anoitecer, transcorreram sem anormalidades. No Comício dos partidários do Governo houve apresentação de diversos artistas nacionalmente consagrados, como Luiz Gonzaga, Emilinha Borba, Black Out, Ester de Abreu e Sivuca.

             Findas essas manifestações, quando a policia começava deixar o local, houve uma passeata do grupo de José Américo que  se dirigiu à Praça da Bandeira, onde houve confrontos, com o grupo adversário. Houve com troca de tiros o que obrigou a intervenção da força policial.  No final foram registrados, três mortos e vinte  feridos. Houve uma rigorosa apuração da qual resultou, meses depois, no decreto de prisão preventiva (isolada) de quatro Oficiais e sete Praças. Noventa dias depois os policiais foram soltos, mediante habeas corpus concedidos pelo STJ, e posteriormente foram impronunciados.  (Não foram submetidos a  julgamento no Tribunal do Júri).  Os Oficiais acusados foram Coronel Albertino, Major Maurício Leite, Major Acendino Feitos e  Capitão João Gadelha.

     O Candidato a Senador pelo grupo político do Governo (UDN), José Pereira Lira, que era Ministro de Casa Civil da Presidência da República, era natural da cidade de Espírito Santo, Paraíba, e ao que parece não tem vinculação familiar com José Pereira Lima, o Deputado líder do movimento de Princesa de 1930.

      Pereira Lira contratou Luiz Gonzaga para fazer uma música para a sua campanha (Um jingle).  Essa música, que recebeu o nome de Paraíba, Mulher Macho, composta em parceria com Humberto Teixeira, foi lançada exatamente no tal comício da Praça da Bandeira e depois se tornou sucesso em todo Brasil. Foi a letra dessa música que popularizou a expressão Paraíba, Mulher Macho.

     A letra faz alusão a um paraibano que vivia no sul do pais, e  depois de explicar que a causa da sua saída da sua terra foi uma longa seca, (lama virou pedra, mandacaru secou  e arribaçã de sede bateu asas e voou) e lembrando o seu longo afastamento dos entes queridos, manda um abraço para todos.

      E é então que ele usa a expressão “pequinina”, se referindo à extensão territorial do Estado, mas já fazendo uso do feminino, para em seguida usar as expressões “Paraíba masculina” e “Muié macho, sim sinhô” se reportando aos acontecimentos de 1929, o nego, aqui relatados.

     As lutas de 1930 em Princesa, o nome de José Pereira e o som dos tiros ali deflagrados, são retratados na metáfora “Eita pau pereira, que em princesa já roncou”. E fazendo entender que estava disposto a lutar de novo, o que seria o apoio ao seu candidato José Pereira Lira, que, mesmo sem vínculo familiar ou político, lembra o nome de Pereira, o líder sertanejo, a letra afirma que “Meu bodoque não quebrou”. (Minha arma está pronta  para uma nova luta)

        Em entrevista à TV Cabo Branco em 3 de agosto de 1989, o cantor e compositor Luiz Gonzaga disse sobre a história dessa música “Foi um baião feito para uma campanha política e acabou se tornando um clássico e houve até morte em Campina Grande quando ele foi lançado. Política tem dessas coisas e até hoje 'Paraíba' é muito solicitada, é um clássico”.

      Para os cargos majoritários foram eleitos para Governador e Senador, respetivamente, José Américo de Almeida e Rui Carneiro, candidatos pela oposição, que também apoiavam Getúlio Varga, que foi eleito Presidente da República.

        No dia 2 de março de 1951, já no Governo de José Américo, o Coronel Ivo Borges da Fonseca, Oficial do Exército, assumiu o Comando da Polícia Militar com a recomendação expressa de  tomar providências enérgicas contra os policiais acusados.

       No mesmo dia Ivo Borges recebeu os Mandados de Prisão e deu cumprido a essas medidas  na madrugado do dia seguintes.  Os presos ficaram incomunicáveis, por cerca de 3 meses, até que foram postos em liberdade por habeas corpus   concedidos pelo STF.  Na continuidade do processo, todos foram impronunciados, por falta de provas.

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Veja também

A Campanha de Princesa: O nego, a morte de João Pessoa, o nome da cidade e a bandeira.

Comício em Campina terminou em bala, três mortos e feridos

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2 Comentários em "Paraíba, mulher macho"

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Tânia Maria dos Santos
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Amei a história de Santo António TC do EB.
Parabéns pelo site e pelas belas histórias da Polícia Militar da Paraíba.