A Atividade da Força Pública Militar como Pacificadora Social

Compartilhe!

 

A Atividade da Força Pública Militar como Pacificadora Social é regulada por uma extensa legislação e harmonizada em práticas do cotidiano policial que balizam a formação de uma dinâmica doutrina, modernamente pautada em critérios científicos que se aperfeiçoam a cada dia.

Embora os estudos dessas atividades ensejem o emprego de uma linguagem por vezes sofisticada, mesmo que didática, na essência todos os elementos que compõe o arsenal teórico pertinente a esse tema decorre do emprego do bom senso que é um conceito atemporal.

O Tenente Coronel Onivan Elias de Oliveira, em um artigo titulado “A Atividade da Força Pública Militar como Pacificadora Social”, partindo do texto de uma nota publicada no Boletim do Comando Geral da PM da Paraíba em 1915, portanto há mais de cem anos, desenvolve reflexões sobre esse tema, deixando expresso que o bom senso daquela época respalda o que a moderna doutrina consagra.

O autor do artigo em referência, de notório conhecimento desse tema e áreas afins, nesse trabalho desenvolve conceitos que facilitam o entendimento do que a moderna doutrina estabelece sobre a função do policial militar como pacificador social, o que constitui uma valiosa fonte de reflexão sobre a essência das atividades desses profissionais.

É esse texto que passamos a transcrever.

A Atividade da Força Pública Militar como Pacificadora Social

                                                             Onivan Elias de Oliveira[1]

“Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus”

(Mateus 5:9).

 A atividade ou função de polícia ostensiva no mundo e no Brasil podemos dizer que está vocacionada para fazer cumprir a lei, ou seja, para a law enforcement. No entanto, o autor entende que essa atividade, principalmente no campo da práxis, ultrapassa esse pensamento restritivo.

Entendemos que a polícia ostensiva no Brasil, e, doravante neste texto traremos da Polícia Militar, executa no seu labor diário ações que transcendem os textos esculpidos nas normas de direito constitucional, penal ou processual penal e afins.

Nesse sentido, temos como objetivo refletir sobre o que chamamos de “Quadrilátero dos Pacificadores Sociais.” Para compreendermos essa linha de raciocínio, vamos analisar parte do texto publicado no comando do Major Abdon Leite, com a grafia original, no que atualmente denominamos de Boletim Geral da Polícia Militar da Paraíba (PMPB), sob o título: DEVERES POLICIAES DAS PRAÇAS[2]

“[...] quero que o soldado não esqueça jamais que a sua missão é toda de paz e prottecção; que entre os seus primeiros deveres figuram os de previnir o crime, amparar os fracos, orientar os transviados e informar o publico, que lhes cabe em summa, ser amavel, util e prudente, sabendo intervir nos conflictos, quando não os poder evitar, por maneira a não aggravar a excitação, e timbrando em dar sempre ás suas armas a funcção unica de legitima defeza ou a de outrem”.

Desse modo analisaremos esse texto de forma compartimentada. Na primeira delas “quero que o soldado não esqueça jamais que a sua missão é toda de paz e prottecção”, deixa com clareza solar que o foco da Polícia Militar é proteger as pessoas e pacificar as relações interpessoais conflituosas. Portanto, o policial militar possuidor de treinamentos, capacitações e recursos logísticos, deve assimilar que tudo isso está voltado para que seja qual for o tipo de intervenção ou ocorrência que esteja realizando, seu pensamento prioritário deve ser norteado pela pergunta “O que eu posso fazer nesse cenário e, utilizando os materiais disponíveis, possa proteger as pessoas e/ou pacificar os conflitos interpessoais, aplicando a lei com ética e razoabilidade?”

Avançando nos trechos em comento, temos “que entre os seus primeiros deveres figuram os de previnir o crime”, ou seja, a essência da previsão constitucional das polícias militares brasileiras esculpida no artigo 144[3]. A ideia-força é que a Polícia Militar através de planejamento estratégico, análise criminal e outras ferramentas de decisão, possa estar visivelmente presente nos locais onde a probabilidade e/ou incidência de delitos seja acentuada no intuito de antecipar-se, prevenir a sua concretização.

Adiante, constatamos que não só fazer cumprir a letra “fria” da lei, mas “amparar os fracos, orientar os transviados e informar o publico, que lhes cabe em summa, ser amavel, util e prudente”, também são ações que transcendem as atividades ou funções que nossas legislações determinam às Polícias Militares. Podemos até asseverar que temos, de acordo com esse trecho, o caráter de “assistente social armado” ou mesmo um “guia turístico” com poderes legais de detenção de seus “guiados”, caso venham a adotar condutas antissociais.

Em continuidade, o trecho conduz para algo muito comum nas centrais de emergência através do número 190, aqui no Brasil, que é o despacho de equipes policiais militares para intervirem em relações interpessoais conflituosas. Desse modo, propõe que “sabendo intervir nos conflictos, quando não os poder evitar, por maneira a não aggravar a excitação”, o policial militar seja o autêntico pacificador social.

Por fim, o arremate vem na direção que o policial militar pode e deve fazer o emprego da força, quando é lembrado da proporcionalidade “e timbrando em dar sempre ás suas armas a funcção unica de legitima defeza ou a de outrem”, ou seja, por excelência a atividade policial exige dos seus integrantes a possibilidade do uso da força, inclusive letal, para restabelecer a paz, a salubridade e a tranquilidade pública conforme cada caso.

Com a evolução dos anos, a Polícia Militar da Paraíba manteve e aperfeiçoou essas linhas de conduta. O autor, quando exerceu a função de Vice Diretor do Centro de Educação da PMPB, confeccionou e afixou em seu gabinete (mantida pelo seu sucessor) uma logomarca da Corporação circulada por quatro verbos que explicitam, o que imaginamos ser, as funções das polícias militares do Brasil conforme figura abaixo.

Foto 1 – Símbolo da Polícia Militar da Paraíba.

Fonte: Acervo do Autor, 2020.

É necessário destacar que, os instrumentos que irão ser empregados para alcançar esses propósitos, dependerão da conduta dos transgressores da lei em cada caso especificamente.

Utilizamos para ilustrar esse pensamento, uma ocorrência na cidade de Santana de Parnaíba, São Paulo, em 29 de maio de 2020, conforme reportagem[4] seguinte:

Vídeo: Empresário suspeito de violência doméstica xinga e ameaça PM em Alphaville

Da Redação 01/06/20 - 08h54 - Atualizado em 01/06/20 - 09h16

O empresário Ivan Storel, de 49 anos, xingou e ofendeu policiais militares em Alphaville, bairro nobre de Santana de Parnaíba (Grande São Paulo). Os PMs foram até a casa de Storel após uma denúncia de violência doméstica. Em um vídeo gravado pela polícia é possível ver o empresário gritando com os agentes. As informação são do jornal Folha de S.Paulo.

“Você é um bosta. É um merda de um PM que ganha R$ 1 mil por mês, eu ganho R$ 300 mil por mês. Quero que você se foda, seu lixo do caralho. Você não me conhece. Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville, mano”, diz o empresário em um trecho do vídeo.

De acordo com a PM, a esposa do empresário, Sheila, ligou para a polícia por causa de uma briga entre os dois. Ao chegar à casa do casal, os agentes, um homem e uma mulher, foram agredidos verbalmente pelo empresário.

Os PMs pediram reforços e o empresário foi levado à Delegacia da Mulher de Santana de Parnaíba, onde o fato foi registrado como desacato e resistência.

Na delegacia, Sheila contou que o marido, alterado, começou a ofendê-la e saiu de casa. Quando retornou, aparentemente bêbado, continuou com os xingamentos e disse que iria “foder com a vida” dela. Foi quando ela decidiu chamar a polícia. Sheila, no entanto, não quis dar continuidade à denúncia.

Já Storel afirmou à polícia que a briga não passou de uma discussão entre um casal. Ele afirmou também não se lembrar se havia xingado ou ofendido os policiais.

No domingo (31), o empresário, que foi liberado após assinar termo circunstanciado, divulgou um vídeo no qual pede desculpas aos PMs, diz que passa por tratamento psiquiátrico e que estava sob efeito de álcool e remédios.

Conforme foi compartilhado em redes sociais, os policiais militares que inicialmente atenderam a esta ocorrência foram o Cabo José Edson Ferreira e a Soldado Gesica Marcia de Oliveira componentes da viatura M-20213. Mesmo diante de todos os impropérios ouvidos e vistos (em vídeo que também circula em redes sociais), mantiveram uma postura e uma compostura impecáveis, fazendo na prática a orientação contida no trecho anteriormente mencionado, qual seja, “sabendo intervir nos conflictos, quando não os poder evitar, por maneira a não aggravar a excitação.” De modo que, se o policial para SERVIR, PROTEGER, PACIFICAR ou EDUCAR vai fazer uso da escuta ativa, de um aperto de mão/afago ou de disparos de calibre 5,56/7,62mm para fazer cumprir a lei, isso dependerá da conduta do agressor da lei e da sociedade. O importante é destacar que os policiais militares estarão dotados de instrumentos para aplicar uma (escuta ativa) ou outra medida (disparo de calibre 5,56/7,62mm), tendo por escopo os quatro verbos acima mencionados.

Por fim, a população brasileira, em algum ponto futuro, compreenderá que os policiais militares são, na essência, autênticos PACIFICADORES SOCIAIS, Peace Officers ou ainda Peacekeepers que têm a faculdade de empregar inclusive a força letal como forma de “educar” futuros criminosos a não repetirem ou tentarem determinada conduta; servir e proteger às pessoas inocentes que estão nas redondezas da cena do crime perpetrada e devolver a paz aos habitantes da rua, bairro ou cidade onde o fato teve o início e/ou desfecho.

É como nossos professores nos educam nos quartéis, penso, pratico e ensino na práxis policial.

[1]Tenente Coronel da Polícia Militar da Paraíba.

[2]Ordem do Dia nº 112, página 171 de 22 de abril de 1914, da Força Policial da Parahyba do Norte.

[3] Art. 144, § 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.

[4]Disponível em: https://istoe.com.br/empresario-suspeito-de-violencia-domestica-xinga-e-ameaca-pm-em-alphaville/. Acesso em: 31 maio 2020.

    Veja também  A Pandemia de Civid-19 e as mortes de Policiais Militares   Não reaja a assalto

Compartilhe!


Deixe um comentário

Seja o Primeiro a Comentar!

Notificação de
avatar