Uma rebelião militar

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Uma rebelião militar é como o grande advogado criminalista  Geraldo Beltrão intitulou um artigo que publico no qual descreve um momento de muita tensão gerado pela possibilidade de mutuas agressões  vivido dois grupos de integrantes da PM da Paraíba, levados por questões relacionadas  à promoções. Transcrevemos, na íntegra um artigo do Advogado Geraldo Beltrão, que na qualidade  de Secretário do Governador José Fernandes vivenciou e registrou um importante e tenso momento da história recente da Polícia Militar da Paraíba.
                                                                                                                                  Geraldo Beltrão*
O deputado José Fernandes de Lima, como presidente da Assembleia Legislativa, assumiu o governo com a renúncia do eventual titular que se de­sincompatibilizara para poder disputar o cargo, no qual estivera em substituição ao titular, governador Flavio Ribeiro, acome­tido de mal súbito que o manteve vivo por vários meses, mas incapacitado para os atos da vida civil.
   Fui seu secretario de governo, hoje Casa Civil. No dia 28 de janeiro de 1961, três dias antes da pos­se do governador Pedro Gondim, após uma campanha muito dura, e de duras porfias entre governo e oposição, o governador recomendou-me chamar ao seu gabinete, no final do expedien­te, o coronel Ozanan de Lima Barros, comandante da Policia Militar do Estado, a quem comunicou que ia promover os te­nentes José Lira, Clodoaldo Lira e Panta, salvo equivoco.
Chamou-me ao gabinete e pediu que acompanhasse o co­ronel até a saída e na volta me comunicou que o oficial havia pedido exoneração do comando da policia.
Na conclusão do expediente, enquanto remanesciam as conversas com lideranças políticas, com a comunicação do episódio, chega ao Palácio o então deputado Antonio Montenegro, do esquema do governador, que morava na pensão Pedro Américo, próximo ao quartel, e  disse que estava havendo um movimento anormal no Comando Militar.
Sugeri ao governador que eu, Botto de Menezes e Walter Arcoverde, então chefe de Policia do Estado, fôssemos lá para dialogo e colheita de informação. Na saída, pegou-me pelo braço e disse que eu ficava com ele.
      Mais tarde um pouco, chega novamente o deputado Anto­nio Montenegro, para avisar que a policia estava na rua marchando pela Praça do Quartel em direção ao Palácio, em grande numero de soldados armados.
O governador determinou que eu fosse ao carro oficial dele, com o coronel Cezarino da Nóbrega, seu chefe da Casa Militar, e o motorista Vicente, pessoa de sua confiança pessoal, ao quartel do Grupamento de Engenharia pedir ao seu comandante, general Au­gusto Fragoso, garantia constitucional de preservação do seu man­dato.
O deputado José Lira, com seus irmãos oficiais da polícia, o capitão Panta e o  coronel José Mauricio encarregaram-se de organizar a resistência armada, colocando metralhadoras em pon­tos estratégicos do Palácio, sendo que Zé Lira e Panta foram para a sua frente, mais para o lado de A UNIÃO, pois sabia-se que o objetivo da marcha militar era invadir e empastelar o jornal para não sair o Diário Oficial com as ditas promoções.
Quando saímos, eu e Cezarino, no carro dirigido por Vi­cente, já nos arredores do Palácio estavam contaminados de sol­dados de um lado e de outro, com as influencias de comando divididas pela presença de Jose Lira e outros oficiais.
Na altura do antigo Cinema Metr6pole, inicio da avenida Epitácio Pessoa, passou par nós a Rural do Comando Geral da Polícia Militar com o motorista e um outro militar. Mandei ultrapassa-­la e ela fez o mesmo mais adiante, e assim ficamos a passar um pelo outro, até que o veiculo militar adentrou a esquerda do Gru­pamento, em direção a  residência do general Fragoso. Quando pa­rou em frente, encostamos e abordamos os seus ocupantes. O se­gundo era o coronel Gonzaga, que disse estar ali para um contato com o comandante do Grupamento, o que igualmente era a minha intenção.       .
Entramos na residência do general e aguardamos até que ele apareceu em vistoso pijama - era mais ou menos meia-noite e meia – e o coronel Gonzaga iniciou uma conversa muito com­prida e confusa para dizer que os oficiais queriam que ele, como o mais velho, assumisse o comando da polícia e ele queria ou­vir a opinião do general e ter o seu apoio.
Quando fez uma pequena pausa, entrei, forçando, e pedi que o general indagasse do coronel sobre o destino dos doutores Antonio Botto de Menezes, que respondia pela segurança do Estado, e Valter Arcoverde, chefe de Policia.
Ele gaguejou para lá e para cá, quando Ihe perguntei se eles estavam ou não detidos, no quartel, informando que "não estavam presos ... mas de lá. não poderiam sair. .. "
Foi ai que disse ao general que o governador José Fernan­des estava com um grupo de homens armados no Palácio, dis­posto a reação, e que a policia estava sublevada no meio da rua, para depô-lo .pelo que mandava pedir-lhe garantia da força fe­deral.
O general impertigou-se e disse: "Eu tinha pelo governador Jose Fernandes o maior respeito, entretanto ele traiu o meu "ofici­al" - referindo-se ao coronel Ozanan de Lima Barros, comandante '. demissionário da Policia Militar. O dr. X (omito o nome em honra a memória de um companheiro) me disse que 0 governador ha­via garantido ao "meu oficial" que não faria nenhuma promoção de oficiais, e ele 0 traiu".
Expliquei ao general: esta informação não era correta. O coronel Ozanan indagara do governador sobre se iria fazer alguma promoção no quadro de oficiais da PM, tendo ouvido dele que a competência para promoção das praças de pré era do coman­dante da policia, e ele tinha toda a liberdade para fazê-las a seu critério e das regras da Corporação. Entretanto, a promoção de oficiais era competência exclusiva do governador. Mas garan­tiu, na ocasião desse dialogo, ao comandante que, se tivesse que, fazer alguma promoção, antes disso o cientificaria, o que de fato fizera, através do convite e da sua presença no gabinete gover­namental, feita por mim, secretário do governo, e por determinação do chefe do Executivo.
Dito isso, o general, visivelmente aborrecido, disse: “É, está. bem, mas eu s6 posso dar garantia mediante expediente es­crito do governador. "
Ponderei a sua Excia. que não tinha a menor ideia de como estava a situação no Palácio, e Ihe adiantei que não seria preso, mas iria tentar conseguir ter contato com o governador.
Retirei-me e junto comigo também o coronel Gonzaga, a quem conduzi no meu carro, a contragosto seu, para o Palácio do Governo, entregando-o ao coronel José Mauricio, que o man­teve detido até que o secretario e o chefe de Policia fossem libe­rados.
Poucos momentos depois, o governador liga-me pelo in­terfone e pede que redija um rápido oficio ao general, oficiali­zando o pedido de força federal.
Já o general estava com as suas tropas na rua, havia pren­dido o coronel Luiz de Barros, que era o comandante da rebelião e numerosos oficiais, determinara o recolhimento da poli­cia ao quartel, lá fora e de lá trouxera em liberdade os dois ilus­tres auxiliares do governo.
Quando tirávamos, já no raiar do dia no pé da escada do Palácio, uma foto hist6rica com todo grupo de apoio, juntamen­te com ele chega o general e passa a dialogar com o governador, retirando-se imediatamente.
O governador chamou-me ao seu gabinete e me indagou:
"Que e que houve entre você e o general Fragoso?" Pediu-me que quando tivesse que tratar com ele não mais o mandasse.
Narrei o episódio da correção que fizera e das palavras que havia lhe dito, dando-lhe a entender que se houvesse uma tragédia ele é que seria o responsável, tendo reposto a verdade do que acontecera, inadmitindo a versão distorcida, que fizera o chefe militar mudar de conceito quanta a honorabilidade do governador. Apoiou-me e agradeceu a colaboração fiel.
O governador José Fernandes foi para a sua casa após uma noite de ressaca. As ruas da cidade amanheceram cheias de soldados do Exército, armados, durante todo o dia. O coronel Calix­to assumiu o comando da policia com o concordo do governa­dor e do general. Mesmo assim, o Quartel da PM ficou sob vigília do Exército durante todo o dia e a noite que antecederam a posse do governador Pedro Gondim.
No dia 31 de janeiro estava eu ainda arrematando expedi­ente no Palácio do Governo, já a Praça João Pessoa se lotando de pessoas vindas sob movimentação de Robson Espínola, seu pres­tigioso líder, de todos os bairros, charangas, embaixadas do inte­rior, música, muita euforia e entusiasmo coletivo, quando as 11 horas, mais ou menos, chegam ao Palácio Valdir dos Santos Lima e Vital do Rego, indagando sobre o livro de posse do governador a fim de providenciarem a feitura do respectivo Termo.
  Não havia mais um só funcionário na Casa, mas me ofereci se e que eles confiavam e queriam, para eu próprio redigir o termo, retornando eles as 15h, quando lhes entreguei o livro pronto e logo depois se deu a posse. Os dois personagens estão ai, e Nelson Coelho também, que conhece de viso esse episódio.
Sai do Palácio pela porta da frente, todo iluminado, lim­po, os automóveis recondicionados, polidos, os motoristas em prontidão, para receber a nova ordem que se instalava na Paraíba.
Dos personagens evidentes desta quadra da Paraíba, res­tam vivos José Fernandes, coronel Luis de Barros, capitão Pan­ta, Iveraldo Lucena, chefe de gabinete da Casa Civil, Heraldo Gadelha, jornalista Feitosa, Walter Arcoverde e outros que a memória não os traz de momento, tendo desaparecido os coronéis José Mauricio, Cezarino, José Lira e Gonzaga, afora outros do bloco revolucionário.
Na minha ida para o quartel do Grupamento, José Lira che­gou a disparar a sua pistola em frente de A UNIÃO e dizem que do outro lado estava seu arqui inimigo, coronel Luis de Barros, a quem teria desafiado, chamando-o pelo dedo: "Vem Lula, vern: Lula ... " Não vi isso, mas contam que foi assim.
Por muito pouco não houve um derramamento de sangue.
A disposição do governador José Fernandes era de resistência até o ultimo cartucho, o ultimo do seu reduzido, fiel e valente grupo.
Honrou e dignificou o seu governo. Dele saiu como um homem de bem, e contra o qual nenhuma suspeita se levantou, apesar das diferenças que se estabeleceram entre ele e a governador Pedro Gondim, que, sendo um dos históricos do PSD, abandonara o partido, ligara-se ao bloco da UDN de João Agripi­no e derrotara o deputado Janduhy Carneiro, irmão do senador Rui Carneiro, seu compadre, chefe e amigo de todas as horas. Depois tudo se recompôs como sempre acontece na história dos políticos em toda parte do planeta.
*GERALDO BELTRÃO - Advogado militante. Nasceu em Alagoinha, Paraíba, em 31 de marco de 1924. Bacharel em Direito (Faculdade de Direito de Alagoas). Bacharel em Ciências Econômicas e Filosofia Pura (UFPBJ_ Fez o Curso de Especialização em Física no ita (Instituto Tecnoi6gico da Aeronáutica e de Economia (Sudene). Professor de Física e de Ciências BioIógicas no Liceu e ETF. Prefeito de Alagoinha por duas vezes. Secretario do Governo e da Educação na Administração de José Fernandes de Lima. Superintendente da Campanha Nacional de Educação de Adultos do MEC no Governo José Américo. Fundador e presidente da primeira cooperativa de Eletrificação Rural do Nordeste, ainda existente, Primeiro advogado de Oficio da Paraíba e Vice-presidente da OAB/PB em dois mandatos.
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