Impunidade nos crimes de homicídios em Santa Rita

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      A  Impunidade nos crimes de homicídios em Santa Rita fica constatada nos dados estatísticos criminais fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública e pelo Tribunal de Justiça. Na essência essa conclusão pode ser feita pela quantidade de homicídios registrados no período estudado e a quantidade de condenações feitas pelo Tribunal do Júri daquela cidade.

 

        Considerando a quantidade de homicídios registrados pela Secretaria de Segurança Pública (Fonte - Secretaria de Saúde do Estado Estado), a cidade de Santa Rita é a mais violenta da Paraíba.  Nos últimos seis anos (2010/2015) ocorreram 704 homicídios na cidade, distribuídos na forma da tabela seguinte:

       A população de Santa Rita em 2015, segundo o IBGE, era de 134.940 Habitantes. Dessa forma o índice de homicídio da cidade em 2015 era 83,7 (Quantidade de homicídios para cada grupo de cem mil habitantes, que é o método adotado em todo mundo para analisar os dados sobre homicídios).

      Para se ter uma ideia da gravidade dessa situação basta compará-la com os seguintes dados. A média nacional é de 32,4; a da Paraíba é 37,8; a de João Pessoa, que já é considerada muito alta é 59,4 e a de Campina Grande é 36,5.  Muitos países da Europa têm índice abaixo de dez.

     A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que quando esse índice ultrapassa a dez, já configura uma situação que deve merecer especial atenção dos Governos, pois constitui uma espécie de epidemia. Assim, a Paraíba já ultrapassou em mais de três vezes o índice, digamos, tolerável, da OMS.

        E Santa Rita já ultrapassa mais de oito vezes esse índice. No primeiro trimestre de 2016, que são os dados mais atualizados da SSP/PB, (Em 1º de agosto de 2016) já foram registrados 26 homicídios em Santa Rita, ou seja, mantendo essa média, teremos um total de 104 homicídios no final do ano, o que representa uma redução em relação a 2015, que foi 113. Mesmo assim ainda é um número muito alto.

        Ressaltamos que essa redução no número de homicídios ocorreu depois que o Coronel Júlio Cesar assumiu o comando do 7º Batalhão de Polícia Militar, instalado nessa cidade.

      Entre as vítimas dos 704 homicídios, 48 eram mulheres, equivalente a 7,8% do total, o que dá uma média de 8 mulheres assassinadas  por ano. Na população de crianças, adolescentes e jovens, (pessoas com até 25 anos de idade) ocorreram 373 homicídios, dos quais 18 eram do sexo feminino e 355 masculino.  Verifica-se assim que 53% do total de vítimas têm idade inferior a 25 anos. Esses dados estão expressos nos quadros a seguir.

 

       Registre-se ainda a elevada quantidade de homicídios com o uso de armas de fogo.  Durante o período em estudo foram praticados 643 homicídios com esse tipo de arma, o que representa 92,% do total desse delito registrado na cidade. Salientamos que em muitos desses crimes foram utilizados mais de uma arma. A quantidade de armas empregadas nesses crimes são as constantes do quadro abaixo.

 

       Muitos desses dados já foram expostos em um artigo publicado neste blog com o título “As cidades mais violentas de Paraíba”. O que pretendemos enfocar agora são alguns dados que podem ajudar a entender essa situação, e com base neles se buscar identificar possíveis causas e, em consequência provocar reflexões por parte das autoridades responsáveis pela persecução criminal, o que inclui as Polícias, o Ministério Público, o Poder Judiciário, o Sistema Penitenciário e os demais setores do governo destinados à prevenção de criminalidade.

      Pois bem. Vamos nos deter a análise dos casos de homicídios em Santa Rita no período de 2010 a 2015, observando o afunilamento da quantidade de homicídios verificados nessa cidade, e as quantidades de Denúncias, Júris e Condenações ocorridas no mesmo espaço de tempo.

           Para melhor se entender os dados que vamos expor é necessário um breve relato dos procedimentos da Polícia Civil, do Ministério Público e da Justiça no fluxo da apuração e julgamento dos crimes de homicídios.

     A função da Polícia Militar no sistema policial brasileiro é previr as práticas delituosas, ou seja, evitar que ocorram crimes, o que é feito através da execução do policiamento ostensivo. Quando o delito, de qualquer natureza, não é evitado, começa o trabalho da Polícia Civil, conhecida como Polícia Judiciária, cuja função é investigar os crimes para identificar seus autores, através dos Inquéritos policiais.  Depois de iniciada a apuração de qualquer crime a Polícia Civil tem trinta dias para concluir o Inquérito e remetê-lo para justiça.

       Recebido o Inquérito o Juiz o encaminha ao Ministério Público, onde depois de examinado o Promotor decide se nele estão contidos os elementos indispensáveis para o oferecimento da Denúncia, ou seja, se o Inquérito será transformado em Processo Criminal.  A partir de então o crime passa a ser processado e julgado pela justiça. Exceto nos casos de homicídios, o processo tem duas fases: uma de instrução criminal, na qual são produzidas provas e outra de julgamento, que é feito pelo Juiz, após receber os argumentos da defesa e da acusação que é feito pelo Promotor.

        Nos casos de homicídios, depois da fase de instrução tem uma fase intermediária, que é a Pronúncia ou Impronúncia.  Quando o Juiz avalia que, após a instrução criminal, há no processo elementos suficientes sobre a existência do fato, (ou materialidade), e da sua autoria, profere a sentença de Pronuncia, que é o encaminhamento do caso ao Tribunal do Júri, que condena ou absolve o réu.   Caso o Juiz entenda que nos autos não existem esses elementos ou é um caso de absolvição sumária, quase sempre configurada pela legítima defesa, ou o caso não é de homicídio, o processo termina nessa fase com o julgamento pelo Juiz.

      Ocorre que mais de 60% dos Inquéritos Policiais sobre homicídios que chegam ao Ministério Público, não contêm os elementos indispensáveis para a formulação da Denúncia. Nesses casos os Inquéritos Policiais são devolvidos às Delegacias para complementação de diligências destinadas a suprir tais deficiências no prazo de trinta dias. Decorrido esse prazo, os Inquéritos voltam ao Ministério Público, mas na sua grande maioria ainda sem os elementos suficientes para o oferecimento da Denúncia. E esse ciclo se perpetua. Esse é o primeiro ponto de gargalho no fluxo desses procedimentos.

      Muitas vezes ocorre também que, mesmo oferecida a Denúncia, no decorrer da instrução criminal verifica-se que não foram colhidos os elementos suficientes para que o caso seja submetido ao Tribunal do Júri, o que constitui o segundo gargalho no fluxo dos dados aqui abordados. Essa situação ocorre, muitas vezes, por falta de provas materiais ou testemunhais no Inquérito e que a instrução criminal não conseguiu suprir.

     Vencidas essas duas etapas, os casos chegam ao Tribunal do Júri, onde ocorrem dois terços de absolvição.

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          Pelos dados acima verificamos que dos 704 Inquéritos de homicídios ocorridos no período, apenas 280 continham elementos para o Ministério Público oferecer Denúncia.  Ou seja, 424 homicídios ainda estão totalmente impunes.

       Das 280 Denúncias apresentadas, apenas 159 resultaram em Pronúncias, ou seja, os casos foram levados ao Tribunal do Júri. Assim, 545 dos 704 homicídios não chegaram ao Tribunal do Júri.

     Dos 159 julgamentos realizados pelo Tribunal do Júri, apenas 53 resultaram em condenações, ou seja, dois terços dos réus foram absolvidos.

     Finalmente, observamos que dos 704 homicídios ocorridos, apenas 53 dos seus autores foram condenados, ficando 651 casos isentos de penas, pelos diversos motivos aqui mencionados.

         Diante dos dados aqui expostos poderíamos levantar muitas questões, tais como a deficiência dos órgãos públicos envolvidos, legislação inadequada, problemas sociais e econômicos, enfraquecimento dos laços familiares e dos sentimentos religiosos, enfim, poderíamos fazer uma lista interminável. Queremos, entretanto, focar apenas dois pontos que entendemos essenciais para se ensejar reflexões mais objetivas sobre os problemas ora levantados.

      Primeiramente há de se indagar se esse conjunto de fatos cria ou fortalece um sentimento de impunidade, ou seja, serve como incentivo à praticas criminosas uma vez que os pretensos delinquentes podem perceber  que é muito reduzida a possibilidade  deles responderem por seus delitos, em particular o mais graves dos crimes que é o homicídio. Ou seja, esses problemas estariam retroalimentando o crime.  Entendemos que sim, e que esse sentimento de impunidade é uma das mais relevantes causas da criminalidade. Assim, qualquer política de segurança pública necessita enfrentar essa questão com objetividade.

     Parece-nos também que o cerne desses problemas é a qualidade dos Inquéritos Policiais nos casos específicos de apuração de crimes de homicídios, que não oferecem ao Ministério Público os elementos mínimos para a formulação da Denúncia. Sem os elementos probatórios do Inquérito Policial, muito pouco ou quase nada pode ser produzido na instrução criminal o que leva a absolvição dos acusados. Portanto o Inquérito Policial é um procedimento de alta relevância para a correta atuação do Ministério Público e da Justiça.

      Nas circunstâncias atuais a Polícia Civil, por maior que seja o esforço dos seus integrantes, não está estruturada em meios materiais e humanos em quantidade suficiente para atender a cada vez maior demanda pelos seus serviços. O elevado nível técnico dos Delegados de Polícia, dos Agentes de Investigações, dos Escrivães e dos demais servidores da Polícia Judiciária, fato inconteste nos nossos dias, não é suficiente para que essa instituição cumpra sua missão na inteireza.

      Nos casos de apuração de crimes de homicídios a situação se complica ainda mais pela cultura do silêncio que impera nas comunidades onde ocorre a maior quantidade de delitos violentos contra a vida, o que impede a produção de provas testemunhais.   É possível também que falte à Polícia Civil os meios materiais mais modernos de investigação e de operadores para esses meios.

     Assim, a redução da gravidade dos problemas aqui abordados, necessariamente depende da implantação de uma estrutura que permita à Polícia Civil dispor dos indispensáveis recursos técnicos e humanos para o fiel cumprimento da sua missão.

      Por outro lado, a Polícia Militar não vem alcançando seus objetivos em relação à prevenção dos crimes de homicídios. E aqui reafirmamos a tese que já expressamos em outras oportunidades, quando abordamos essa questão no âmbito da cidade de João Pessoa.  Com relação a essa reduzida quantidade de punição para aos crimes de homicídio, aqui relatada, a situação de João Pessoa não é nada diferente da de Santa Rita.

    Pelo que é publicado pela imprensa, embora sem indicar elementos concretos, a maioria desses crimes, tanto na capital como em Santa Rita, assim como em todo Estado, está relacionado com o uso ou tráfico de drogas.  São as chamados queima de arquivo, acerto de contas, ou disputas por “bocas de fumo”. Ou seja, são delitos premeditados. E em casos dessa natureza a Polícias Militar pouco ou quase nada pode fazer.

      Mesmo que seja massificado o policiamento em uma área onde se pode prever a prática de um crime desse tipo, ele ocorrerá, naquela ou noutra área, ou em outro momento.  Já foi dito por pesquisadores dessa matéria que o crime, em particular os homicídios, migra de local ou hora conforme a atuação da polícia ostensiva.

       Um exemplo concreto pode melhor explicitar o que afirmamos.  No segundo semestre de 2008, o Governo do Estado resolveu locar veículos para a Polícia Militar e de repente a quantidade de Guarnições motorizadas na cidade de João Pessoa quase triplicou. Eram tantas Viaturas que algumas delas eram tripuladas só por dois policiais, por falta de efetivo. Essa situação durou cerca de seis meses. Durante esse período a estatística sobre essa modalidade de deleito não sofreu redução. Portanto, mas polícia ostensiva na rua e o mesmo resultado.

 Não é que o papel preventivo da PM não tenha relevância. O fato que estamos pedindo a atenção é para a prevenção de homicídios premeditados, que são a maioria dos que ocorrem no Estado.   É evidente que a presença da polícia ostensiva em grandes eventos ou em logradouros públicos, previne tais práticas. Mas os tipos de homicídios que aqui abordamos raramente corem nessas circunstâncias.

      Então o que se pode fazer para prevenir esses tipos de delito é criar condições objetivas para que a Polícia Civil possa reprimir os que já ocorreram, com investigações que levem seus autores a responder na justiça, e como isso quebrar o círculo do sentimento de impunidade, o que deve dissuadir os futuros pretensos delinquentes, prevenindo a prática de novos crimes.  E nesse trabalho de investigação dos crimes a Polícia Militar pode prestar excelente colaboração à Polícia Civil desde que legalmente autorizada para esse fim e através de um órgão criado especificamente com essa finalidade.

  Veja também A impunidade nos crimes de homicídios: Fator de aumento da violência na cidade de João Pessoa   Homicídios contra a população jovem de João Pessoa em 2013   Homicídios contra a população jovem em João Pessoa      

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