Porque somos militares

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Vê-se, pois, que mesmo constitucionalmente vinculada ao Exército, a missão das Polícias Militares continuou sendo a de manutenção da ordem pública. Dois artigos da Lei 192, entretanto, caracterizavam uma forte mudança na vida das Polícias Militares. Foram os artigos 17 e 19 que passamos a transcrever:
Art. 17 – As Polícias Militares serão regidas por Regulamentos Disciplinares redigidos à semelhança do Regulamento Disciplinar do Exército e adaptado às condições de cada Corporação.
 Art. 19 – Os oficiais, aspirantes a oficial, sargentos e praças das Polícias Militares, nos termos do artigo 84 da Constituição Federal, terão foro especial nos delitos militares e serão punidos com penas estabelecidas no Código Penal Militar pelos crimes que praticarem e ali estiverem previstos, na conformidade do Código de Justiça Militar em vigor.
Desde sua origem, as Polícias Militares adotavam regimentos disciplinares rigorosos. Alguns até previam aplicação de castigos físicos. A inovação era que a partir de então, os regulamentos seriam padronizados, e, de certa forma, até menos rígidos. Quanto às normas estabelecidas no artigo 19, a novidade foi o fato de os policiais militares passarem a ficar submetidos à Justiça Militar. Era uma natural decorrência da condição de militar a que os integrantes das Polícias Militares constitucionalmente tinham adquirido. A partir de então, e de forma gradual, foi criada a Justiça Militar Estadual em todo país.
A preocupação com a possibilidade de as Forças Estaduais se estruturarem de forma a se tornarem espécies de Exércitos Estaduais ficou expressa nos artigos 6 e 12 da Lei, a saber:
Art. 6º - Os Comandos das Polícias Militares serão atribuídos em Comissão, a Oficiais Superiores e Capitães do serviço ativo do Exército, ou Oficial Superior das próprias Corporações, uns e outros possuidores do Curso da Escola de Armas do Exército ou da própria Corporação.
Art. 12 – É vedado às Polícias Militares possuir Artilharia, Aviação e carro de combate, não incluindo nesta última categoria os carros blindados.
            Naquela época praticamente não existiam oficiais superiores nas Polícias Militares que tivessem cursado a Escola das Armas do Exército, e nem as Corporações Estaduais possuíam escolas nesse nível. Em outras palavras, a lei estabelecia que os comandantes fossem oficiais do Exército. Era, portanto, uma forma de rigoroso controle das Polícias Militares.
Como se depreende da redação do artigo 12, as Polícias Militares ficavam impedidas de adquirir equipamentos de uso próprio do Exército. Era um dos reflexos das lutas contra os revolucionários paulistas de 1932.
A formação e o treinamento dos Policiais também foi objeto de preocupação por parte do legislador ao definir, no artigo 26, da lei 192, ora comentada:
Art.26 – A Instrução dos quadros e da tropa que obedecerá a orientação do Estado Maior do Exército será obrigatoriamente dirigida por Oficiais do Exército ativo que tenham pelo menos o Curso da Escola de Armas e sejam postos pelo Ministro da Guerra à disposição dos Governadores dos Estados por propostas deste e com anuência do Estado Maior do Exército.
             A instrução dos quadros era destinada aos oficiais e a da tropa era ministrada aos praças. Assim, a União exercia rigoroso controle sobre as Polícias Militares, em todos os aspectos, mas a maior preocupação era evitar que essas corporações tomassem feições de Exército. Posteriormente, a legislação infraconstitucional tratou desse tema, porém sem modificações de relevo.
A Constituição de 1946 voltou a tratar desse tema, no seu artigo 183, com a seguinte redação: “Art.183 – As Polícias Militares, instituídas para segurança interna e a manutenção da ordem nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são consideradas como forças auxiliares, reservas do Exército”.
            A nova Carta Magna mantém essas corporações na condição de reserva do Exército, porém, de forma inovadora, define seu papel constitucional, qual sejam, segurança interna e manutenção da ordem nos estados. A segurança interna, de forma objetiva, é o papel a ser desenvolvido pela Polícia Militar em caso de guerra externa, ou seja, proteger as instalações físicas estratégicas contra atos de sabotagem de inimigos, de forma a garantir o funcionamento dos serviços essenciais à população. Isto é: mesmo em casos de guerra o papel das Polícias Militares é de proteção da população.
Mesmo com as modificações introduzidas nesse dispositivo constitucional, a legislação infraconstitucional anterior foi bem recepcionada, uma vez que em nada contrariava a nova ordem legal.
A Constituição de 1969, erigida em pleno período ditatorial, também se reportou às Policias Militares de forma específica, como foi o caso do § 4º, do Artigo 13 que estabelecia que as “Polícias Militares, instituídas para manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os Corpos de Bombeiros, são consideradas como forças auxiliares, reservas do Exército”.
           Como se vê, a modificação do texto foi apenas a inclusão do Corpo de Bombeiros e a inversão da ordem da missão, colocando-se a manutenção da ordem pública antes da defesa interna. Portanto, não houve mudança substancial. Mas a nova realidade política do país, com a vigência de um governo revolucionário, exigia uma modificação no controle sobre as Polícias Militares, para o que foi incluído mais um dispositivo. O artigo 8º, Inciso XVII, alínea “v” definia que era competência da União legislar sobre “organização, efetivo, instrução, justiça, e garantia das polícias militares e condições de sua convocação, inclusive mobilização”. Com esse fundamento foi editado, pelo então Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, no dia 13 de março de 1967, o Decreto-Lei 317, que deu nova organização às Polícias Militares, revogando a Lei 192, de 1936.
Essa nova regulamentação trouxe muitas inovações que estão em vigor até hoje. Como a norma que lhe precedeu esse Decreto também fixou a missão da Polícia Militar, que na essência é:
Art. 2º - Instituídas para manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, Compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições:
a) Executar o policiamento ostensivo, fardado, planejado pelas autoridades policiais competentes, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos.
            Mesmo em fase da nova ordem política, o papel das Polícias Militares continuava sendo o de manutenção da ordem pública. A expressão policiamento ostensivo aparece pela primeira vez na legislação, embora na prática já fosse essa a modalidade de atuação da Polícia Militar desde sua origem.
Mas a medida de maior impacto dessa norma foi a criação da Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM), órgão destinado a exercer de forma específica o controle das Polícias Militares. O artigo 20 do Decreto-Lei 317 especificava: “Fica criada, no Ministério da Guerra, a Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM), diretamente subordinada ao Departamento Geral de Pessoal (DGP)”.
           Durante muitos anos a IGPM exerceu muita influência nas Polícias Militares, padronizando treinamentos, unificando a legislação, fornecendo material operacional e exercendo controle rigoroso sobre o efetivo, armamento e instrução. Para aumentar seus efetivos, ou adquirir armas, munições e veículos, assim como definir currículos dos cursos internos, de todos os níveis, as Polícias Militares dependiam de autorização da IGPM.  Convém ressaltar que, o Estatuto de Pessoal, Lei de Organização Básica, Regulamento Disciplinar, Lei de Promoção, Regulamento de Uniforme, Manual Básico de Policiamento, muitos ainda em vigor com modificações destinadas a se adaptar à nova Constituição, são heranças deixadas nas Polícias Militares pela atuação da IGPM. Essas normas eram produzidas e adotadas pelas grandes Polícias Militares, como as de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, e eram encaminhadas à IGPM que as remetia às demais corporações, recomendando sua adoção, devidamente adaptadas às suas realidades.
           As corporações continuavam sendo comandadas por oficiais do Exército, podendo em caráter excepcional tal função ser exercida por um oficial da própria Polícia Militar, na forma do que estabelecia o Art. 5º da Lei 317, redigido da seguinte forma:

Art. 5º - O Comando das Polícias Militares será exercido por Oficial superior combatente do serviço ativo do Exército, preferencialmente no Posto de Tenente Coronel ou Coronel, proposto ao Ministro da Guerra pelos Governadores dos Estados e Territórios ou pelo Prefeito do Distrito Federal.

§ único – Em caráter excepcional, ouvida a Inspetoria Geral das Polícias Militares, o cargo de Comandante poderá ser exercido por Oficial da ativa, do último posto, da própria Corporação.

Entretanto, o Decreto-Lei 317 teve pouca duração, sendo revogado pelo Decreto-Lei 667, de 2 de junho de 1969, data muito próxima da edição do Ato Institucional nº 5, o conhecido AI-5, que tanto impacto causou no país.

O Decreto-Lei 667/69 ampliou o controle do Exército sobre as Polícias Militares, mas manteve inalterado seu papel na manutenção da ordem pública. O comando das corporações continuou sendo exercido por oficiais do Exército, na forma do artigo 5º do Decreto-Lei 317, que teve sua redação mantida na nova norma, no seu artigo 6º.
                O decreto-lei 667/69, de 2 de junho de 1969 estabelecia a função da Polícia Militar, sendo essa o exercício do Policiamento Ostensivo. Porém, naquela época em muitos Estados existia Guarda Civil que também fazia policiamento ostensivo. O Decreto-Lei nº 1.072 (de 30 de dezembro de 1969) deu nova redação ao art. 3º, letra “a”, do Decreto- lei 667 definindo que a competência para o exercício do policiamento ostensivo era exclusividade da Polícia Militar. A mesma norma facultou às Policias Militares absorver o efetivo das Guardas Civis
O advento da Lei da Anistia, em 1979, e o conseqüente início do processo de abertura política, mesmo que ainda de forma muito tímida, concorreu para também iniciar uma atenuação no rigor do controle exercido pela IGPM. Em 1983, o Decreto-Lei 667 foi modificado pelo Decreto-Lei 2010, de 12 de janeiro de 1983, que abriu maior possibilidade de as Polícias Militares serem comandadas por oficiais da própria corporação:

Art. 6º - O Comando das Polícias Militares será exercido, em princípio, por oficial da ativa, do último posto, da própria Corporação. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº. 2010 de 12.1.1983)

§ 1º - O provimento do cargo de Comandante será feito por ato dos Governadores de Estado e de Territórios e do Distrito Federal, após ser o nome indicado aprovado pelo Ministro de Estado do Exército, observada a formação profissional do oficial para o exercício de Comando. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº. 2010 de 12.1.1983)
§ 2º - O Comando das Polícias Militares poderá, também, ser exercido por General-de-Brigada da Ativa do Exército ou por oficial superior combatente da ativa, preferentemente do posto de Tenente-Coronel ou Coronel, proposto ao Ministro do Exército pelos Governadores de Estado e de Territórios e do Distrito Federal.
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