A atuação da PM da Paraíba no movimento estudantil de abril de 1968 em João Pessoa

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A atuação da PM da Paraíba no movimento estudantil de abril de 1968 constitui um exemplo de como essa corporação, como as suas coirmãs, foram utilizadas pelo Governo do Estado de forma indevida. Algumas das situações  de confrontos  que ocorreram naqueles episódios poderiam ter sido evitadas se  a avaliação técnica procedida pelo  Comandante da Corporação  tivesse sido levada em consideração pelo Governador. Neste trabalho vamos relatar dados sobre esses fatos que podem ensejar reflexões sobre  o que acima afirmamos.   No dia em que morreram Assis Chateaubriand e Martin Luther King, a população da cidade de João Pessoa viveu um dia de grande tensão decorrente de um grave conflito resultante da ação da polícia para conter manifestações estudantis. Era o dia 4 de abril de 1968, a quinta-feira que antecedia a semana santa, e a situação da capital paraibana refletia o clima político e social que o país vivia o que também ocorria em diversas partes do mundo no decorrer daquele ano e nos seguintes.  
   Manifestações estudantis em todo mundo
       Naquele ano ocorreram revoltas estudantis provocadas por razões das mais diversas e que afetaram os EUA, Alemanha, França, Itália, Japão, México e muitos outros países. Esses movimentos representaram o início da maior ofensiva da classe trabalhadora internacional desde o fim da Segunda Guerra e durou cerca de sete anos.
Em alguns casos essas manifestações tomaram formas revolucionárias, provocando quedas de governos. Tudo começou no interior da França, quando em janeiro de 1968, durante uma solenidade que ocorria no interior de uma Universidade, os estudantes fizeram um protesto contra o ministro da juventude, reivindicando melhorias na educação.
       O ato em si tinha pouca relevância, mas as medidas disciplinares aplicadas contra os estudantes, assim como as repetidas intervenções policiais, intensificaram o conflito e o movimento que se alastrou rapidamente pelas universidades e escolas secundaristas de todo o país, a essa altura já com nítidas conotações políticas. O país estava em crise econômica e Charles de Gaulle estava no poder a 10 anos, o que representava fortes razões para o movimento.
No Brasil o governo militar tinha completado quatro anos, e os movimentos políticos em busca do retorno à democracia se intensificavam. No Rio de Janeiro, ainda com a denominação de Estado da Guanabara, (1960 a 1975), no dia 28 de março de 1968,
     houve um movimento estudantil que reivindicava melhoria na alimentação do restaurante universitário (Restaurante Calabouço), localizado no centro da cidade. Houve represália por parte de polícia e um estudante de nome Edson Luiz foi atingindo mortalmente por um tiro, o que desencadeou uma justificada revolta geral dos estudantes e ganhou imediato apoio da população.
        O corpo do estudante foi velado na Assembleia Legislativa e o fato tomou dimensão nacional. O velório e o sepultamento do estudante foram acompanhados por uma grande multidão que gritava palavras de ordem contra a ditadura, o que fez as Forças Armadas entrar em regime de prontidão, inicialmente naquele Estado e logo depois em todo país.
Repercussões na Paraíba
      Em todos os Estados ocorreram manifestações estudantis em solidariedade aos estudantes da Guanabara. Em João Pessoa e Campina Grande foram realizadas passeatas no dia 1º de abril, uma segunda-feira, o que ocorreu sem incidentes.
     A União Paraibana dos Estudantes Universitários e Secundaristas assumiu a direção do movimento, que aos poucos se fortaleceu e programou para o dia 4 de abril uma missa de sétimo dia em sufrágio da alma de Edson Luiz, o que, aliás, ocorreu em todos os Estados do país.
João Agripino, o Governador da Paraíba, tinha recebido informações, possivelmente de órgãos federais, de que nessas manifestações realizadas em todos Estados estavam havendo infiltrações de pessoas tidas como subversivas, com o objetivo de provocar depredações e incitar os estudantes contra o governo.
       Com esses fundamentos, no dia 2 de abril, o Secretário de Segurança Pública do Estado, Major Brigadeiro Firmino Ayres, cumprindo determinações expressas do Governador, expediu um documento proibindo a realização de manifestações estudantis no Estado até ulterior deliberação.
No dia seguinte a Polícia Militar entrou em regime de prontidão, em João Pessoa e Campina Grande, concentrado efetivos pronto para atuar em repressão aos movimentos estudantis. Na mesma data houve manifestações no Restaurante Universitário, localizado no Clube dos Estudantes Universitários (CEU), que na época funcionava onde atualmente é o Cassino da Lagoa, no Parque Solon de Lucena, centro de João Pessoa. Esse local passou a ser o ponto de reunião dos estudantes para organizar as manifestações. No dia 3 de abril, o Coronel João Gadelha de Melo, Delegado do DOPSE (Delegacia de Ordem Política Social e Econômica), se dirigiu ao CEU onde tentou convencer os estudantes a não participarem das manifestações programadas, ocasião em que o Presidente da Associação dos Estudantes Universitários se comprometeu a acatar as ordens das autoridades.
      No dia 4 de abril, (quinta-feira santa) às nove horas, foi realizada a missa de sétimo dia na Igreja Catedral, celebrada pelo Padre Juarez Benício, que durante a homilia fez uma longa alusão ao estudante Edson Luiz ressaltando o caráter heroico da sua morte e o exemplo que dava para a juventude do país, o que gerou forte comoção nas pessoas que estavam presentes ao ato. A Igreja estava lotada por estudantes e entre eles alguns policiais infiltrados com o objetivo de acompanhar o andamento dos fatos. A Polícia Militar e um grupo de policiais civis, sob o comando do Coronel Gadelha, estavam de prontidão, respectivamente no interior do Quartel e da DOPSE. Quando terminou a missa os estudantes se reuniram em frente à Igreja e seguiram em passeata pela Avenida General Osório. Eram cerca de mil jovens e adolescentes.
          Ao chegarem a frente da Loja Maçônica Branca Dias, foram feitos alguns discursos curtos, o que era conhecido como comício relâmpago, onde a tônica era a revolta com a morte de Edson Luiz e contra o regime de governo, o que era expresso com palavras de ordem como “abaixo a ditadura”. Em seguida os manifestantes seguiram em direção ao Ponto de Cem Reis, cantando o hino nacional. Ali fizeram outro comício relâmpago e seguiram em direção ao Palácio do Governo.
                       A essa altura eram quase onze horas. A Polícia Militar recebeu ordem para dispersar os estudantes. Naquela época a corporação não tinha treinamento para esse tipo de ação e nem contava com equipamentos como escudos, capacetes apropriados e gás lacrimogêneo. A tropa foi para a rua portando fuzil, com baioneta, cassetete de madeira e o capacete convencional. Em muitas ocasiões anteriores, assim como nessa, parte da tropa era composta por recrutas que eram retirados das salas de aula para completar o efetivo.
         O transporte era um caminhão, da marca Internacional, tecnicamente denominado de Viatura de Choque e que era mais conhecido como espinha de peixe. O contingente policial saiu do Quartel do Comando Geral, onde atualmente é o Primeiro Batalhão, seguiu pela Guedes Pereira e entrou na Avenida Duque de Caxias (na época não tinha o atual viaduto).
      Quando a Tropa chegou em frente ao Colégio Nossa Senhora das Graças, também conhecido como Ginásio Comercial Underwood, (atual Galeria Augusto dos Anjos), foi vaiada pelos estudantes e começou a repressão. Quatro estudantes mais exaltados, dos quais três eram menores, foram detidos e conduzidos à DOPSE, que ficava na Praça Rio Branco, na Avenida Duque de Caxias.
       Com a ação enérgica da polícia os demais manifestantes se dispersaram, mas voltaram a se reunir no Ponto de Cem Reis, minutos depois, e seguiram para o CEU, onde continuaram a fazer discursos inflamados contra o regime militar, e agora também contra o Governo do Estado e contra a ação policial.
          A tropa de Choque se postou nas proximidades do Posto Texaco, que ficava na Avenida Diogo Velho, no canteiro do anel interno do Parque Solon de Lucena, no lado direito do final da Rua Padre Meira. Naquela época o ponto final dos ônibus urbanos da cidade era ao longo da Avenida Diogo Velho, que tinha o sentido de trânsito inverso do atual, portanto na lateral do Posto Texaco.
      Era aproximadamente doze horas. Naquele horário o movimento de passageiros era intenso, o que fez a Polícia interditar o trânsito no local, enquanto aguardava ordem para atuar ou se recolher ao Quartel.

Aproximadamente às treze horas o Arcebispo da Paraíba, Dom José Maria Pires, visitou o CEU aonde foi recepcionado pelos estudantes com muita euforia. O Bispo disse aos estudantes que apoiava as manifestações desde que elas fossem feitas dentro da ordem e e sem violência. Em seguida ele se retirou do local. Os discursos continuaram.

 

      Cumprindo ordem do Comandante Geral da PM, o Coronel Ozanan de Lima Barros, o Assistente Jurídico da Polícia Militar, o Doutor Marcelo Figueiredo, se dirigiu aos estudantes para uma negociação. Foram indicados três estudantes para conversar com o Doutor Marcelo, o que se deu nas proximidades do Posto Texaco. Não se chegou a um acordo, pois o Dr. Marcelo pretendia que os estudantes se dispersarem para que o Polícia se recolhe-se, e os estudantes pretendiam o contrário.

           No momento em que o Doutor Marcelo conversava com os líderes do movimento, um caminhão da Polícia passou por trás do CEU e foi vaiado. Segundo os estudantes, naquele momento os ocupantes desse veículo efetuaram tiros em direção aos manifestantes que estavam no interior do Clube. Três estudantes foram atingidos com pouca gravidade. Com isso os estudantes entraram em pânico e alguns saíram correndo do local.

       A tropa de choque se aproximou e foi recebida com pedradas, o que deu início a um novo confronto, no qual a polícia fez uso da força física que resultou em alguns estudantes levemente lesionados. Um Sargento foi atingido por uma pedrada e a tropa recuou, por ordem do Comando. Os estudantes feridos, todos menores, foram: Carlos Alberto Bonfim e José Alves Bezerra, feridos na coxa e Eudes Ferrer, ferido na boca. Depois desses incidentes, a PM retornou para o Posto Texaco e o Dr. Marcelo voltou a tentar um acordo com os estudantes, sugerindo que uma delegação deles fosse até ao Palácio falar como Governador, mas eles alegaram que se o Governador quisesse negociar que fosse até lá onde eles estavam.

       Durante essa conversa, agora nas proximidades do CEU, um policial civil passou pelo local e foi reconhecido pelos estudantes que partiram para agredi-lo, o que obrigou o policial a se abrigar em uma residência naquelas proximidades e só saiu de lá horas depois.

            Quando o caminhão de onde teriam saído os tiros que atingiram os estudantes chegou ao Quartel, o Coronel Ozanan ordenou o recolhimento de todas as armas que estavam com os policiais e determinou que uma comissão formada pelos Majores Iran Lordão e Raimundo Morais, Tenente Médico Atílio Rotta, e o Doutor Marcelo Figueiredo fizesse um exame para verificar de qual delas tinham saindo disparos recentemente.

A comissão concluiu que as armas apresentadas para o exame não tinham vestígio de pólvora que indicasse seu uso recente. Mesmo assim foi instaurado um IPM para apurar o fato, o que foi comunicado à imprensa. Os estudantes que foram detidos naquele dia, no confronto na Rua Duque de Caxias, depois de interrogados na DOPSE foram encaminhados ao Quartel onde foram entregues ao Advogado Bertino Queiroz. Eram três menores de nomes Francisco de Assis Medeiros, Emanuel Jorge de Morais e Jader Carlos de Lucena, e um maior chamado de Tibério Grego de Lucena. Depois de liberados esses estudantes foram entrevistados pela Imprensa que insistia em saber se eles foram espancados no interior do Quartel, mas todos afirmaram que não.

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