Odisséia de um policial de Destacamento do interior

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       O policial de destacamento, na Paraíba, até o final da década de 1960, levava uma vida de extremos sacrifício, não só em razão da precariedade dos meios que dispunha para desenvolver seu trabalho, como também pela lamentável interferência política    a que esses profissionais estava submetidos. Nesse trabalho relatamos um caso real e específico de situação dessa natureza que bem ilustra aquela realidade.
          Ao amanhecer, saíram do baile, na zona rural, de mãos dadas. Era uma sexta-feira, antevéspera de São João.  Começava um namoro que foi precedido de duas semanas de flertes entre o Soldado Simplício, também conhecido por Paulo de Aninha, e Josefa, uma morena muito falante, de feições finas e cabelos lisos. No vestido estampado de Zefa
viam-se marcas da poeira do salão. A fuligem dos candeeiros enegreceu o colarinho branco do namorado de Zefa.  Simplício, um moreno, magro, alto, rosto alongado e meio beiçudo, tinha chegado ao Destacamento de Umbuzeiro no início de mês de junho de 1957, em pleno inverno. O casal começou a alimentar o sonho de uma vida em comum.
         Na noite seguinte, no Clube Social da cidade foi realizada a festa mais tradicional da região, com a participação das pessoas mais abastadas e integrantes das diferentes correntes políticas. A Patrulha, formada por cinco policiais ficou na frente do clube. Passava das duas horas da manhã quando ocorreu uma briga no salão e a Polícia foi chamada. Eram integrantes das duas facções partidárias. Os brigões não se intimidaram com a presença da patrulha. O Sargento foi atingido por uma cadeirada.  Aí o pau comeu.  Foi cacetada pra todo lado. Dois foram dominados e o restante correu. Na mesma noite chegaram diversos pedidos para soltar os presos. O Sargento, que também era o Delegado da cidade, não atendeu a ninguém.
        Passava das quatro da tarde, do domingo, quando um caminhão preto entrou na cidade, transportando uma equipe de policiais que vinha substituir o Destacamento. Uma multidão se postou em frente à Delegacia.  Acostumados com esse tipo de coisa, os policiais já estavam de malas arrumadas. Quando começaram a embarcar notaram a falta de Simplício.  Nisso ele apareceu, fardado, correndo ao lado de Zefa. Entraram na Delegacia, pegaram o fuzil e a mala de Simplício e subiram no caminhão. O Sargento faz um gesto de reprovação de forma ríspida. Simplício não se intimidou e deu explicações. Zefa interferiu. O Sargento moderou e o caminhão deu partida.  O povo acena para Zefa, que retribui abraçada ao namorado.
          Simplício ficou em João Pessoa no serviço de Cosme e Damião, feito de bicicleta no centro da cidade. Os demais foram para outros Destacamentos. Zefa e o marido moraram em uma vila no Bairro do Cordão Encarnado, bem perto do centro da capital, até o fim daquele ano.
         No começo de 1958, Simplício foi transferido para Araruna.  O casal se desfez dos seus pisquai, juntou todo seu patrimônio em uma mala de madeira marrom decorada com um xis na cor branca, e seguiu, de ônibus, até Guarabira. Simplício com a farda de sete botões e  um cinto de guarnição em lona verde oliva que parecia deixar os policiais mais esbeltos.  Zefa estava vestida de chita estampada, cheia de ruge e com uma alpercata de couro. Na viagem o fuzil, que conferia autoridade a Simplício, parecia dormir no colo do casal.  A partir de Guarabira o percurso foi feito uma parte de carona e outra parte a pé. O casal chegava a passar horas na espera por uma carona. O cansaço fazia Zefa sentar na beira da estrada empoeirada acomodando a mudança. Quando acabava a esperança de um ajuda, o casal seguia a pé.   Na estrada empoeirada Simplício conduzia a mala, hora na mão, hora na cabeça, e Zefa levava o fuzil a tiracolo e, para reduzir os efeitos do sol, usava o quepe do marido.
        Ao anoitecer o casal chegou ao Destacamento, onde funcionava também a Delegacia de Polícia e a Cadeia Pública, que era onde se alojavam os policiais. O Sargento mandou desocupar uma das celas para servir de quarto para o novo integrante do Destacamento e sua mulher. Simplício puxou água da cacimba, no quintal da Delegacia, e abasteceu o tonel que ficava ali perto. Zefa ajeitou as coisas nos seus aposentos e armou a velha rede, já com dois remendos no fundo. Uma corda amarrada nas grades da sela servia como um dos armadores. Mesmo assim, a rede ficava muito alta.  Um lençol de saco de açúcar foi delicadamente estirado na rede e um espelho foi pendurado na parede. A toalha encardida foi arrumada sobre a mala. Os policiais foram para calçada da Delegacia enquanto Zefa tomava banho no quintal.
      A partir de então Zefa passou a preparar a comida e lavar a roupa de todo Destacamento. Toda cidade conhecia e gostava dela, pelo seu jeito carinhoso de tratar as pessoas e pelas suas infindáveis conversas. Nesse clima Zefa ficou grávida.  Sempre que os policiais queriam exemplar alguém no Xadrez, pediam para Zefa sair.   Uma noite ela estava na rede, já no mês de parir, quando chegou uma confusão. Como ela sabia o que poderia estar acontecendo, tentou sair o mais rápido possível. A rede se rasgou e ela caiu. Com o susto e com a queda ela acabou abortando. A precariedade do atendimento também lhe causou a impossibilidade de ter outro filho. O fato causou tristeza na cidade. Zefa ficou inconsolável.
Dias depois Simplício desarmou um protegido político e foi transferido. E lá foi ele e Zefa estrada a fora.  Zefa com o fuzil a tiracolo e o quepe do marido e Simplício com a mala na cabeça. E assim foi até a reforma de Simplício.
 

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