O Tenente analfabeto e o Padre da Paróquia

Compartilhe!


 A  extorsão era a forma mais usual de desvio de conduta de alguns policiais que exerciam as funções de Delegado de Polícia no  interior da Paraíba até o final de década de 1950. Aqui vamos expor um caso, que, mesmo parecendo engraçado, expressa bem essa realidade. Para uma melhor compreensão desse problema, faremos uma síntese histórica da formação profissional desses policiais.

Os critérios objetivos de nomeações e promoções de Oficias e Praças na PM da Paraíba começaram a ser fixados a partir de 1912, quando ocorreram profundas modificações na sua legislação. A partir de então se passou a exigir um nível de escolaridade compatível com o exercício das funções inerentes a esses cargos, o que ficou limitado à precariedade dos recursos humanos disponíveis na época.

Nos anos seguintes percebe-se que houve um grande esforço do Comando para reduzir o grau de analfabetismo dos integrantes da corporação que era bem elevado e, portanto, muito preocupante. Com esse objetivo foi revitalizada um Escolar Regimental que funcionava no interior do Quartel e na qual a matricula dos policiais analfabetos era compulsória.

 No decorrer da segunda metade da década de 1930 todas as normas a esse respeito foram adaptadas à Lei Federal 192 de 1935 que regulamentou dispositivos da Constituição promulgada no ano anterior. Desde então se constata uma progressiva evolução desses critérios.

Ocorre que, até aproximadamente 1950, por esperteza ou apadrinhamento político, alguns poucos integrantes da Corporação conseguiam ludibriar a legislação e chegavam ao oficialato sem o devido nível escolar e nessas condições exerciam as funções de Delegados de Polícia, o que era muito comum na época.   A essa situação se agregavam uns costumes nada legais ou éticos, mas que eram tão comumente praticados que, por vezes, chegavam a constituir um direito na imaginação dos seus incautos executores.  Um fato que me foi contado por um antigo oficial dessa corporação ilustra bem essa situação.

Mesmo que esse fato tenha conotação meio folclórica, ou até fictícia, creio que ele expressa aspectos, talvez de forma caricaturada, de uma realidade histórica e, portanto, representa parte do objeto das nossas observações e da finalidade deste blog.   É verdade que ela configura um viés negativo à imagem da instituição, mas apresenta elementos que permitem comparações reveladoras de uma progressiva melhoria na qualificação desses profissionais.

     Registre-se, por oportuno, que casos dessa natureza eram exceções, uma vez que a grande maioria dos Oficiais e Sargentos, da ativa ou da reserva, que exerciam essas funções o faziam com competência e efetividade.   Tentarei narrar esse fato, de forma sucinta como me foi passado, sem mencionar o nome da figura, por razões éticas, mesmo que não me tenha sido feito pedido para esse fim. Vamos lá então.

Em certa cidade do brejo paraibano, no início da década de 1950, um cidadão muito pobre e residente da zona rural, pediu ao Padre da Paróquia para lhe dispensar do pagamento da taxa do seu casamento. O Padre lhe orientou para que fosse à Delegacia e pedisse ao Delegado um Atestado de Pobreza, pois assim ele seria dispensado da tal taxa. Assim ele fez.

Na Delegacia o homem contou o que pretendia ao Tenente, que era o Delegado da cidade. O Tenente abriu uma gaveta e pegou um livro pautado, onde o escrivão registrava as ocorrências, folheou pra lá e pra cá, correndo o dedo indicador ao longo das folhas, balbuciou umas palavras, fechou o livro e disse: “É cinco mil reis”.

O homem voltou à Igreja e contou essa história ao Padre que ficou revoltado e resolveu acompanhar o pobre matuto até a Delegacia e falar com o Delegado. Lá chegando, o Tenente lhe pediu a benção, como era costume na época, e perguntou o que o reverendo desejava. O Padre relatou o ocorrido. O Tenente Delegado voltou a consultar o livro no mesmo ritual e disse: “Está aqui seu Padre. Atestado de Pobreza, cinco mil reis.”

- Mas isso é um absurdo. Deixe eu ver esse livro. Disse o Padre em tom de revolta.

O Delegado, sem perder a calma, colocou o livro na gaveta e respondeu.

- Seu Padre, todo domingo eu estou na missa e sempre confio no que o Senhor diz. Eu nunca pedi pra ver o seu livro. Então não tem porque o Senhor ver o meu. É cinco mil reis e pronto.

O Padre, ainda mais revoltado, resolveu pagar do próprio bolso. Depois de receber o dinheiro, o Delegado mandou o escrivão preparar o Atestado e assinar a rogo. O Padre, querendo subsídios para uma denúncia, pediu um recibo.

O Delegado voltou ao ritual do livro e disse:

 - Recibo de Atestado de Pobreza. Dez mil reis.

O Padre deu uma meia volta de forma tão violenta que a barra da batina levantou poeira na descuidada sala do Delegado. Foi-se e não mais voltou.

Vê-se, pois, que a Polícia é filha do t

 

  VEJA TAMBÉM Presepadas do Tenente Afanato

Compartilhe!


Deixe um comentário

2 Comentários em "O Tenente analfabeto e o Padre da Paróquia"

Notificação de
avatar
Ordenar por:   Recentes | Antigos | Mais Votados
Walber Rufino
Visitante

Parabéns comandante por trazer à luz essas histórias que, além de provocar boas risadas, ainda produz um incentivo para continuarmos buscar nossa história, tradição e cultura.