Campina Grande 1983: A greve dos Sargentos

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  1. O dia “D”

No dia 8, quarta-feira, a Gazeta do Sertão voltou a publicar notícias sobre a paralisação com a manchete; “Polícia decide: greve começa hoje”. O dia já começou tenso no âmbito do Batalhão.

     O Tenente Reginaldo Anísio ficou encarregado de avisar aos Sargentos listados que ao chegarem ao Quartel na manhã da quarta-feira, se dirigissem para o Salão Nobre, aonde iriam se reunir com o Coronel Marcílio Chaves. E assim foi feito. Às sete horas a tropa começou a entrar e forma, enquanto o Coronel Marcílio Chaves conversou um pouco, no Salão Nobre, com alguns dos Sargentos convocados, enquanto aguardava a chegada dos demais. Pouco depois o Coronel disse aos Sargentos que iria ao pátio para a rendição da parada e que depois voltaria para a reunião com eles que deveriam aguarda-lo naquela sala.

Houve a rendição da parada de forma normal. O Tenente Iraponil Siqueira ordenou que o Pelotão Comandado pelo Sargento Vieira Neto que estava escalado para fazer o policiamento a pé saísse de forma e assumisse o serviço. Ninguém saiu de forma. Logo em seguida o Sargento Vieira Neto comunicou ao Capitão Gumercindo, Comandante da Companhia, que o seu Pelotão decidiu não ir para a rua assumir o serviço. De imediato o Capitão comunicou esse fato ao Major João da Mata, Subcomandante do Batalhão que participava da formatura e este determinou ao Tenente Iraponil Siqueria que recolhesse todo Pelotão ao Xadrez. Siqueira deu o Comando: “Pela coluna da direita, coluna por um, em direção ao Xadrez, sem cadência marche.” Tendo a frente o Sargento Vieira Neto, todos marcharam em direção ao Xadrez, que fica no Corpo da Guarda, a cerca de vinte metros do pátio do Quartel. O Xadrez foi aberto pelo Comandante da Guarda e todos entraram. Momentos depois o Tenente Francisco de Assis Costa chegou ao Xadrez de mandou que todos os presos entregassem as armas, o que foi feito sem resistência.

Enquanto isso o Coronel Marcílio conversava com o restante da tropa em um clima muito tenso, momento em que os Sargentos que estavam no Salão Nobre desceram e se dirigiram ao Coronel Marcílio procurando saber o que estava acontecendo, pois tinham tomado conhecimento de que muitos policiais tinham sido presos. Essa interpelação dos Sargentos gerou um áspero diálogo o Coronel que determinou que os Sargentos retornassem ao Salão Nobre e o aguardasse.

Foi nesse momento que os policiais do Pelotão de Trânsito que já tinham saído de forma para seguir para o serviço, resolveram comunicar ao Capitão Gumercindo que só iriam para o trabalho se o pessoal que estava preso fosse liberado e também aceitasse assumir o serviço.

O Capitão Gumercindo foi ao Xadrez e comunicou ao Sargento Vieira Neto a proposta do pessoal de Trânsito informando que se eles aceitassem assumir o serviço seriam liberados. Os presos concordaram. Mas no momento em que o Capitão estava providenciando a abertura do Xadrez, o corredor do Corpo da Guarda ficou lotado pelos Policiais do Trânsito e outros policiais, juntamente com todos os Sargentos que pouco antes estavam conversando com o Coronel Marcílio. Com ar de exaltação os policiais gritavam frases diversas, mas que tinha um só sentido “ou soltem eles ou prendam todos nós.“ A confusão era grande. O Coronel Marcílio mandou soltar os presos. Todos voltaram para o pátio.

O pessoal que presta serviço na Guarda da Penitenciária estava embarcado no ônibus para seguir para o serviço. Vários policiais se deitaram na frente do ônibus e impediram a sua saída. Ninguém assumiu o serviço. Todos ficaram no pátio do Quartel.

O Coronel Marcílio, vários Oficias e os Sargentos subiram para a reunião, enquanto a tropa aguardava no pátio. Todos os argumentos expostos pelo Coronel referente à ilegalidade da paralisação e suas consequenciais disciplinares e legais eram rechaçados pelos Sargentos, que na essência alegavam falta de condições físicas e psicológicas para assumir o serviço. De quando em quando alguém alegava que estava passando fome juntamente com seus familiares, o que emocionava a todos. A questão básica era a cobrança da implantação das vantagens da Lei 4410. Em meio às discurses foram expostas também as graves condições de trabalho a que aqueles policiais estavam submetidos. Em meio a essas discussões o Coronel Marcílio foi chamado ao telefone três vezes para falar com o Coronel Benedito Junior, Comandante Geral, que estava reunido com o Governador e uma equipe de auxiliares do primeiro escalão. O telefone ficava no Gabinete do Comando do Batalhão, de forma que o Coronel saia da reunião e cerca de cinco minutos depois voltava. A discussão ia se tornado cada vez mais acirrada o que deixava o Coronel cada vez mais tenso.

O Tenente Coronel Arnaldo Costa, que tinha chegado ao Quartel poucos minutos antes da parada e iria fazer contato com o Oficial responsável pela inscrição dos candidatos ao Curso de Soldado, percebendo a gravidade da situação resolveu participar dessa reunião e, por diversas vezes se posicionou pela ilegalidade das pretensões dos policiais naquele momento e expondo os riscos de punições disciplinares e processos criminais que cada um corria.

Quando o Coronel Marcílio voltou ao local da reunião pela terceira vez, demonstrava um ar de alívio. De repente o clima se transformou. Todos aguardavam uma boa notícia. E ela veio. O Coronel comunicou que o Governador resolveu determinar a implantação das vantagens dos policiais contidas na Lei 4410, a partir do mês de julho. A euforia foi geral. Todos se confraternizaram e desceram para o pátio para comunicar a boa notícia à tropa.

Todos entraram em forma rapidamente. O Coronel Marcílio fez uma longa preleção explicando os benefícios da Lei e parabenizando a todos. Os Sargentos pediram para cantar o hino do Batalhão, no que foram atendidos. Todos cantaram com o maior entusiasmo. Em seguida houve um desfile da tropa em volta do Quartel, com a cadência e a vibração próprias daquele momento. Todos assumiram o serviço. A vida no Quartel voltou ao normal.

Mas uma vez a imprensa acompanhou todos esses acontecimentos através dos muros da Central de Polícia, mas lhe deram ampla divulgação, como já ocorrera no dia anterior.

  1. As consequências

   Ao voltar à capital o Coronel Marcílio Chaves fez um relatório, dirigido ao Comandante Geral, enfocando a precariedade das condições trabalho, das escalas de serviço e de outros aspectos que, de alguma forma contribuíram para o desfecho dos acontecimentos. Mesmo assim consignou que houve quebra da disciplina e prática de crime militar, pelo que sugeriu a instauração de um Inquérito Policial Militar, inclusive apresentando a lista dos Sargentos que teriam instigado a tropa.

O Tenente Coronel José Batista do Nascimento Filho, (Falecido) que Comandava o Primeiro Batalhão, foi o encarregado do IPM e teve como escrivão o Tenente Aluízio Bezerra Cavalcanti (Atualmente Promotor de Justiça na cidade de Cabedelo). Foram indiciados, além dos Sargentos já mencionados, cinquenta e três policiais, entre Cabos e Soldados, que foram os que se negaram a assumir o serviço. O Tenente Hilton Almeida, em seu depoimento como testemunha, além de relatar detalhes dos fatos em apuração, listou uma vasta série de acontecimentos anteriores que contribuíram, direta ou indiretamente para que a situação chegasse àquele desagradável desfecho.

Todos os indiciados foram denunciados pela Promotora da Auditoria Militar, Neyde Figueiredo Porto. No dia 29 de dezembro de 1986, por ocasião do Julgamento, Presidido pelo Doutor Nestor Alves de Melo Filho, participaram do Conselho Permanente de Justiça o Tenente Coronel João Soares de Santana, os Majores Germires Vamberto Leite, José Quirino Sobrinho e Marcos Martins Soares.

Todos foram absolvidos sob o argumento de que houve desistência voluntária e arrependimento eficaz, além de não ter havido prejuízo para o Batalhão nem para população da cidade de Campina Grande. Mas o Ministério Público apelou e no dia 29 de setembro de 1987 a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, composta pelos Desembargadores Orlando Jasen, Manuel Taygi e Joaquim Madruga, confirmaram a decisão da Auditoria Militar, mantendo a absolvição de todos os acusados.

Foram mais de quatro anos de angústia para os indiciados.

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3 Comentários em "Campina Grande 1983: A greve dos Sargentos"

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Niulando Gomes Barbosa
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Gostei da Publicação, apesar de alguns detalhes que não vão fazer diferença, mesmo assim vou expô-lo: Na parte no que tange ao dia em que o Cel Marcílio Pio Chaves então Sub-Cmt da época, chegou ao Qel. do 2º BPM, foi ele que se dirigiu aos Sargentos pedindo que os mesmos fossem ao Salão Nobre que fica no primeiro andar e o esperasse, pois ele ia fazer uma preleção com a tropa, nesse momento cumprimos a determinação e subimos pra o Salão Nobre , ficamos lá o esperando, passado mais de uma hora e nada do Cel. Marcílio chegar, nesse… Leia Mais »
Niulando Gomes Barbosa
Visitante
Gostei da Publicação, apesar de alguns detalhes que não vão fazer diferença, mesmo assim vou expô-lo: Na parte no que tange ao dia em que o Cel Marcílio Pio Chaves então Sub-Cmt da época, chegou ao Qel. do 2º BPM, foi ele que se dirigiu aos Sargentos pedindo que os mesmos fossem ao Salão Nobre que fica no primeiro andar e o esperasse, pois ele ia fazer uma preleção com a tropa, nesse momento cumprimos a determinação e subimos pra o Salão Nobre , ficamos lá o esperando, passado mais de uma hora e nada do Cel. Marcílio chegar, nesse… Leia Mais »