Cabo Travassos: Um ícone da defesa pessoal na PM da Paraíba

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      Abmar de Medeiros Travassos, mais conhecido como o Cabo Travassos, foi professor de Defesa Pessoal em todos os cursos realizados na PM da Paraíba no período de 1965 a 1984. Além dos alunos regulamente matriculados nos cursos realizados na Corporação, Travassos também ministrava treinamentos para muitos Oficiais e Praças que espontaneamente lhe procuravam para esse fim. Além de ensinar técnicas de defesa pessoal, inteiramente voltadas para a realidade enfrentada cotidianamente pelos policiais, Travassos transmitia muita autoconfiança e orientações gerais sobre a atividade policial, sempre de forma carismática e fundada na sua ilibada conduta pessoal.

       Pela sua competência técnica e empenho pessoal na obtenção dos meios necessários para a implantação desses treinamentos, assim como pela dedicação, vibração e entusiasmo demonstrado ao longo desse período no exercício dessas atividades pode-se dizer que Travassos é um ícone da defesa pessoal na PM da Paraíba. O registro de dados que possibilitem uma visão geral da vida profissional de Travassos permite o resgate de alguns detalhes da história recente dessa Corporação.

       Travassos nasceu no dia 20 de maio de 1934, em Borborema, na época Distrito de Tacima, no brejo paraibano.  O seu pai, Abdias da Costa Travassos, era proprietário rural e representante da Singer, a fábrica da mais famosa marca de máquina de costura do país. Essa atividade exigia um constante deslocamento de seu Abdias e sua família pelo interior do Estado, o que fez com que ele residisse em diversas cidades do sertão da Paraíba no decorrer da década de 1940. Para exercer essas funções, que exigia conhecimento de mecânica, seu Abdias, que nunca foi à escolar, mas era autodidata, precisou aprender a ler, escreve e falar inglês, uma vez que os manuais técnicos dessas máquinas eram nessa língua. Seu Abdias também tocava e consertava diversos instrumentos musicais. Observando o trabalho do seu pai, Travassos aprendeu os primeiros rudimentos de mecânica, o que lhe fez adquirir habilidades para, anos depois, fazer reparos de armas de fogo, chegando a construir artesanalmente espingardas de repetição e até uma metralhadora.

    Quando começou a segunda guerra mundial surgiram no sertão muitas missões religiosas de origem americana. Uma dessas missões conheceu seu Abdias e se impressionou com suas habilidades técnica e a capacidade de comunicação no idioma inglês.  Pouco depois seu Abdias foi convidado para prestar serviço como mecânico de automóveis, máquinas de datilografia, e aparelho de comunicação do Exército na base militar americana que se instalou em Natal, para onde ele se mudou com toda a família e onde permaneceu até o final da guerra. Durante esse período Travassos, ainda menino, estudou no Ginásio Americano Batista, que ficava em frente à base militar americana, o que lhe permitiu observar e aprender muito da vida militar,

    Depois da guerra a família Travassos voltou para Tacima, onde seu Abdias passou a desenvolver atividade agrícola em suas duas propriedades. Enquanto isso Travassos trabalhava na Prefeitura daquela cidade na função de Fiscal Cobrador de Luz, cuja atividade era verificar quantos bicos de luz tinha em cada casa para estabelecer quanto o morador deveria pagar.  A energia era produzida pela Prefeitura, através de motor a diesel e nas casas não existiam medidores.

    Em 1951 a família se mudou para Campina Grande, onde Travassos estudou no Colégio Alfredo Dantas. Nessa época passou por essa cidade a família Gracie, um grupo de vitoriosos lutadores de jiu-jitsu, conhecidos em todo país, que estava divulgando esse esporte em todos os Estados. Travassos foi roupeiro voluntário dessa equipe e assim pode acompanhar os treinamentos que ela ministrava na cidade.  Dessa forma, ele conseguiu aprender as primeiras noções desse esporte.

     Em 1953 Travassos prestou serviço militar obrigatório, se alistando em Campina Grande, sendo depois transferido para o 15º Batalhão de Infantaria, em João Pessoa.  Nessa Unidade Militar Travassos fez o Curso de Cabo Condutor de Boleia, que lhe habilitava a conduzir Carruagens puxadas por quatro ou seis cavalos, que eram denominadas de Viaturas Coloniais.  É Curioso que até a década de 1950 o Exército ainda fizesse uso desse tipo de transporte ou necessitasse desse tipo de treinamento.

    A habilidade de Travassos em jiu-jitsu chamou a atenção de Oficiais que praticavam esse esporte naquele Quartel. Um desses Oficiais era o Capitão Figueiredo, que tinha feito um curso de guerrilha em Israel, onde aprendeu técnicas de Defesa Pessoal, que incluía até golpes mortais, o que era próprio de ações de guerra.  Travassos se interessou por essas técnicas e começou a receber treinamentos desse Capitão. Aos poucos ele foi adaptando essas técnicas para a realidade em temo de paz, ou seja, substituindo os golpes fatais. Outro Oficial que participava dessas atividades era o Capitão Ozanan de Limas Barros, que também praticava boxe.

    Concluído o tempo de Exercito, em 1954, Travassos voltou para Tacima, onde se casou com Maria da Penha Freire Travassos, com quem tem seis filhas. Ainda nessa cidade ele tomou conhecimento, pelo jornal, que “abriu o decreto”, ou seja, começavam as inscrições para o ingresso de Soldado na Polícia Militar. De imediato ele se dirigiu à Capital do Estado, se inscreveu e foi selecionado, ingressando na Corporação no dia 4 de fevereiro de 1957, sendo encaminhado para a Companhia de Instrução que funcionava no local onde atualmente está sediado o Batalhão de Trânsito. Todos os Cursos da Polícia eram realizados nesse Centro, que naquela época era Comandado pelo Major Jaime Emídio. Na condição de Reservista de 1ª Categoria ele ficou dispensado do Curso de Formação de Soldado, e pouco depois foi promovido a Cabo, com base no seu Curso realizado no Exército.

     Inicialmente o Cabo Travassos prestou serviço na 3º Companhia do 1º Batalhão, que era Comandada pelo Tenente Josias Figueiredo, que pouco depois foi aprovado em um Concurso de Juiz no Rio Grande do Norte.

        Em seguida ele integrou o serviço conhecido por Cosme e Damião, e que era executado por duplas de policiais em Bicicletas, da marca Bristol, doadas por comerciantes, circulando em rotas definidas, no período das nove da noite às quatro da manhã.  Trabalhavam dez duplas por noite e a escala era noite sim noite não. Esse serviço, que ficava restrito ao centro da cidade, era fiscalizado por um graduado, também à bicicleta e por um Oficial, em uma Viatura. O uniforme utilizado era conhecido como a ”túnica de sete botões”, que era muito elegante, mas também muito desconfortável.  Nas noites de chuva eram utilizados capotes de lã, que quando molhados ficavam muito pesados, o que era um tormento para os policiais.  Diariamente, até às treze horas, cada dupla tinha de comparecer no Quartel para apresentar as ocorrências do serviço. Nessas atividades Travassos passou quase dois anos.

     Paralelo às suas atividades como policial militar, o Cabo Travassos também praticava luta livre, que na época era muito popular na cidade. Esses eventos eram realizados em locais fechados, como o Clube Internacional, por exemplo, e a entrada era paga e proibida para menores.  Podemos citar como participantes desse esporte, na época: Professor Sales, Sargento João Ribeiro, Tigre Selvagem e Balbino, um Guarda Civil, além de Travassos.

 

                                     Praticantes luta livre - Balbino, João Ribeiro e Travassos - 1958

Em 1960, Travassos foi para o serviço que ficou conhecido por “faixa branca” que tinha sido criado naquele ano.  Era uma patrulha formada por dez policiais, sob o Comando de um Cabo, que rondava, todos juntos, a pé, durante o dia, no centro da cidade. O Cabo Modesto, recentemente falecido, integrava, como Soldado, o grupo Comandado por Travassos. Esse pessoal usava o uniforme mais nobre da corporação para execução de serviço. Eram talabardes e cintos brancos além de uma peça que revestiam os antebraços do punho ao cotovelo, também branca. Tudo em couro. O capacete era de fibra e igualmente branco. Os cadarços dos coturnos também eram brancos. Esse serviço teve pouca duração, talvez pela baixa produtividade, ou porque causava muitos atritos com pessoas de todos os níveis sociais.

No começo do Governo de Pedro Gondim, Travassos passou a prestar serviços na Guarda do Palácio, onde permaneceu até o inicio do governo seguinte quando foi transferido para o Centro de Ensino.  Naquele ano assumiu o Comando da Polícia Militar o Major do Exército Ozanan de Lima Barros, com quem Travassos tinha feito muitos contatos no seu tempo de serviço militar.   Por ordem de Ozanan, a partir de então Travassos passou a ser instrutor de todos os Cursos que fossem realizados na Corporação. Aí surgiu o seguinte problema; por questão regulamentar praça não pode ser instrutor e sim monitor. A solução encontrada foi contratar Travassos como Professor, o que se deu até a sua passagem para a reserva.

Inicialmente os treinamentos eram feitos no chão, o que dificultava a prática de alguns exercícios básicos. Depois de muitos contatos e articulações, Travassos conseguiu recursos para construir, em 1970, o primeiro tatame, em uma sala de aula no C.I.  Era uma moldura de madeira 3X3, parafusada no solo, com uma camada de pó de serra e serragem, coberta com uma lona de caminhão. Esse local foi utilizado com essa finalidade até 1977, quando a Companhia de Instrução foi transformada em Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP) e transferida para um novo Quartel em Marés, e onde atualmente está sediada a Diretoria de Apoio Logístico (DAL).

Travassos - Treinamento no tatame do CFAP

Travassos e o Soldado RAMOS - Tatame do CFAP

Como no CFAP inicialmente não havia espaço para instalar um tatame, Travassos desmontou o do C.I. e o montou em uma sala no Quartel do Corpo de Bombeiro, onde existia muitos espaços desocupados. Nesse local foram ministrados treinamentos até 1980.  Nesse ano, Travassos transferiu o Tatame para uma Sala do CFAP, onde permaneceu até 1991, quando foi inaugurado o Centro de Ensino, depois transformado em Centro de Educação da Polícia Militar.

Em 1977, por solicitação do Secretário de Segurança Pública, Travassos passou à disposição da Academia de Polícia Civil (ACADEPOL) onde foi designado para ministrar treinamentos de defesa pessoal para integrantes da Polícia Civil, inclusive nos Cursos de preparação de Delegados.  Essas funções foram exercidas cumulativamente com as desenvolvidas no CFAP. Em 1988 ele foi Professor de duas turmas de preparação de Delgados. Em uma delas pode-se citar como integrantes: Francisco de Assis, Junior, Irismar, Alberto do Egito, Marçal, Simone, Luiz Carlos, João Amaro, José Lúcio, Magno, Olímpio Oliveira, Domício Oliveira, Jander Machado, Fábio Pontes, Ednacer, Pedrosa, Durval, Edson Francisco, Cléa Lúcia, Antônio Farias, Inácio, Antônio de Pádua, Edson Oliveira, Carlos Alberto, e Magalhães.

Travassos foi Professor de defesa pessoal  da terceira turma de Delegados na ACADEPOL, em 1988.

Além dessas atividades, para todos os efeitos considerada uma forma de esporte, Travassos era considerado um esportista exemplar.   Tanto assim era que em 1975 ele foi o escolhido para acender a pira olímpica na solenidade de abertura da primeira olimpíada interna da Polícia Militar, realizada no Quartel do 2º Batalhão da Polícia Militar, em Campina Grande.

Travassos homenageado pelo Coronel Benedito Lima, Comandante Geral

Contando com o tempo de serviço no Exército, licenças e férias não gozadas, Travassos passou para a reserva remunerada em 11 de novembro de 1984. Mesmo na reserva Travassos continuou em atividade, por alguns anos, na ACADEPOL, onde tinha uma gratificação e no CFAP, onde era contratado como Professor.

Travassos tinha muita habilidade na manutenção e concertos de armas de fogo. Chegava a fabricar peças para substituir outras defeituosas. Sua curiosidade e capacidade inventiva lhe fizeram chegaram ao ponto de fabricar uma metralhadora que funcionava com munição 7,65. Essa arma foi vendida para um comerciante de São Paulo. Outra invenção de Travassos foi uma espingarda calibre doze, com adaptação de um tambor, como o de revolver, que comportava seis cartuchos.  Também por ele foi fabricada uma espingarda no modelo das escopetas utilizadas atualmente pela Polícia Militar, porém com capacidade só para três cartuchos.  No rol desses inventos ainda consta a fabricação de uma pistola calibre trinta e oito.  Essas espingardas foram criadas por Travassos antes da existência dos modelos atuais.

Essa habilidade de Travassos fazia com que ele fosse procurado por muita gente para resolver problemas com armas, como, por exemplo, integrantes das Polícias, inclusive da Polícia Federal.

Por conta disso ele foi fiscalizado muitas vezes pelo Exército, pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, principalmente logo após a revolução de 1964, mas nunca foi constatado irregularidade em suas atividades.  O problema era que Travassos era vizinho da Oficina de um senhor conhecido por Teófilo, que, segundo se dizia, fabricava armas de todo tipo e se dizia comunista, sendo por esse motivo presos várias vezes pelo Exército.

Travassos, atualmente com oitenta anos e cento e dez quilos, vive tranquilamente com a esposa, e entre filhas, genros, netos e bisnetos, na mesma casa há mais de cinquenta anos, na cidade dos funcionários, nas proximidades da feira daquele bairro, onde é muito visitado por antigos companheiros.

Por tudo que fez durante sua passagem pela Polícia Militar, Travassos é uma figura que merece ser sempre lembrada pelos que militam na área de defesa pessoal nessa corporação.

Travassos e o Tenente Ramilton Cordeiro, na abertura primeira olimpíada interna da PMPB.

Travassos recebe do Coronel Arnaldo Costa a medalha de 20 anos de serviço

Travassos - 1975 - 1982 - 2014

Comendas e diplomas em homenagem a Travassos que ele guarda com muito carinho

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