Astúcia policial

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      Astúcia policial é uma artimanha, uma simulação, um jeito de  iludir pessoas com a finalidade de facilitar a execução de uma ação policial. É uma lábia, uma conversa para convencer alguém  a não reagir a essa ação. Muitos são os casos desse tipo que se poderia mencionar, mas aqui vamos enfocar um caso que foi bastante comentado na época em que aconteceu.

      Um dos tipos de serviços mais complicados que a Polícia Militar executa é a condução de débeis mentais que se encontram em crises violentas.  No decorrer da década de 1980 esse trabalho era ainda mais difícil e exigia muita astúcia por parte dos policiais.

     Naquela época tinha um Sargento na Radiopatrulha, em João Pessoa, conhecido por Luiz Rodete, que era muito habilidoso nesses serviços e sempre conseguia um jeito ardiloso de resolver esse tipo de problema. Os policiais que conviveram com Rodete, já falecido, costumavam contar, aos risos, muitas dessas façanhas. É uma dessas histórias que passamos a narrar.

      A Viatura parou em frente a um casarão no Bairro da Torre. Era mais um caso de condução de débil mental, o que era muito comum nos cinco primeiros dias de cada mês. Nesse período eram realizadas as perícias médicas no INSS e os “encostados” precisavam comprovar o estado de debilidade mental. 

     A guarnição desembarcou e se encaminhou ao portão da casa, onde uma mocinha, toda assanhada e com ar de assustada, lhe recebeu. Da rua já dava para se ouvir o som de bolero brega, vindo do interior da casa. No jardim estavam mais quatro pessoas, todas no mesmo estado de espírito da mocinha do portão. Uma mulher se dirigiu ao Sargento Rodete e deu os detalhes da ocorrência.

      De vez em quando era assim. Seu Fernando, um senhor de uns cinquenta anos, que tinha problemas mentais, tomava remédio controlado e estava com licença médica, se embriagava e tinha uma crise nervosa violenta. Naquele dia ele quebrou vários móveis, bateu em Dona Emília, sua mulher e puxou os cabelos de sua filha Bernadete, a mocinha do portão.

     Fernando estava na sala, ouvindo música e tomando uísque. Dona Emília disse que ele estava armado. Dois rapazes que estavam no local apenas confirmavam com acenos de cabeça, a história de Dona Emília.

      Depois desses relatos, Souza e Silva, os Soldados da Guarnição se entreolharam com ar de preocupação, e, de forma instintiva, passaram as mãos nos coldres das armas.

     Rodete, sem demonstrar a menor preocupação, mandou que os Policiais fossem para a Viatura e lhe aguardassem. Eles resistiram para ficar, mas Rodete foi incisivo dizendo que sabia o que estava fazendo. Mesmo a contra gosto, eles obedeceram.

      Rodete entrou na sala cantando bem alto, a mesma música que Fernando estava ouvindo na sua Radiola ABC, estilo funcional, que era um dos poucos móveis inteiros naquele ambiente.

     Era caco vidro e de louça por todo lado. Fernando, de chapéu e roupa preta, com seus cento e vinte quilos, distribuídos em um metro e oitenta de altura, estava sentado com a capa de um LP de Nilton Cesar nas mãos, acompanhando a letra da música.

     Quando viu Rodete cantando, levantou-se e também começou a cantar “A minha profissão, vou ter de abandonar, porque meu coração, não pode suportar” Os dois se abraçaram como velhos amigos.

     A música acabou e Rodete pediu para Fernando colocar o outro lado do disco no que foi atendido. Enquanto Fernando mexia na radiola, Rodete retirou o carregador da pistola que estava na poltrona. A garrafa quadrada que estava no centro, foi colocada numa posição fácil de cair. O móvel foi estrategicamente deslocado. 

      Quando Fernando se virou bateu na garrafa que caiu e quebrou-se.   O Homenzarrão virou uma criança. “Quebrei minha verdinha” Haja choro e lamentos. Para consolar o grandalhão, Rodete se esticou todo para compensar a altura, e colocou a mão nos ombros dele e disse, “deixa comigo, eu tenho outra garrafa dessas lá em casa. Vamos pra lá? “ Opa, disse Fernando, todo contente, vamos sim.

    Os dois saíram da sala abraçados e cantando. Os familiares não entenderam nada. Dirigiram-se para a Viatura e Rodete no maior papo com Fernando.

      Entraram na  Viatura Veraneio sob o olhar de espanto dos Soldados. Toca lá para casa, na Juliano, disse Rodete para o Motorista.   A mensagem foi entendida.

     Desembarcaram no Hospital, ainda abraçados e cantando, e assim se dirigiram até a portaria onde Fernando já era conhecido.        Enquanto cantavam, um agente do hospital aplicou um sossega leão e o paciente aos poucos adormeceu. 

      No corredor Souza comentou com Silva: “Bem que o povo diz, o remédio pra um doido é  um doido e meio”.

       Estava encerrada a ocorrência. Na volta da Viatura para o ponto base a risadagem era geral. E a história foi contada muitas vezes entre os companheiros da Rádio Patrulha, sempre em tom de gozação e admiração pela esperteza de Rodete.

 

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2 Comentários em "Astúcia policial"

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Tenente Emiliano de Melo
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Kkk, ao ler esse texto revivi uma ocorrência com débil metal em Guarabira, não teve radiola mas teve um maluco se balançando em uma rede cantando. Ele estava em uma espécie de sótão, com acesso por uma estreita passagem, utilizando uma escada de madeira que só podia com uma pessoa. O espaço devia medir 45 x 45 kkkk. Ele também deveria fazer a perícia com o Dr. Lupicinio, capitão médico que fazia esse tipo de trabalho na região de Guarabira. No entanto, o maluco, que já havia esfaqueado sua própria barriga, se negava a ir ao INSS fazer a perícia.… Leia Mais »