A impunidade nos crimes de homicídios: Fator de aumento da violência na cidade de João Pessoa

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      A impunidade nos crimes de homicídios  é objeto de permanente estudo por parte dos pesquisadores na busca de detectar  as causas do constante aumento da violência de todas as espécies. e  indicar soluções.  Para isso os estudiosos acabam elencando um extenso rol de fatores da criminalidade que na prática se conjugam e se multiplicam. 
         Em sua essência as causas apontadas são sociais, econômicas, políticas, culturais, religiosas, familiares, excessiva humanização do direito penal, deficiência do sistema de persecução criminal e muitas outras da mesma natureza. A maioria dos estudos apontam a inimputabilidade dos menores de 18 anos, a demora dos julgamentos de crimes, o baixo índice de condenações e o abrandamento das penas e das suas execuções, entre outros fatores dessa natureza, como causas geradoras do sentimento de impunidade. Por se tratar de questões muito abrangentes e sobre as quais os dados são escassos, essas causas  são de difícil comprovação.
    Aqui vamos focar a nossa atenção ao sentimento de impunidade, mas expondo e analisando de forma objetiva elementos concretos que podem criar e fortalecer esse sentimento. Para esse fim, o universo da nossa observação será o sentimento de impunidade resultante da falta de punição nos casos de crimes de homicídios ocorridos na cidade de João Pessoa no período de 2012 a 2015.
        Com essa finalidade exporemos e analisaremos a estatística policial referente a homicídios registrados nessa cidade, os Inquéritos instaurados para apurar esses delitos, as denúncias resultantes desses procedimentos policiais, as pronúncias, os Júris e as condenações deles resultantes.
      No quadro abaixo expomos dados relativos à quantidade de homicídios que ocorreram na cidade no período de 2012 a 2015, com dados oriundos do site da SSP/PB. Completando o quadro incluímos dados referentes à quantidade de Inquéritos Policiais sobre homicídios recebidos pela Justiça, na Comarca de João Pessoa, no mesmo período, a quantidade de denúncias decorrentes desses Inquéritos, os Júris realizados e as respectivas condenações. Esses dados foram fornecidos pelo Tribunal de Justiça. 
Homicídios, Inquéritos, Denúncias, Júris e Condenações em João Pessoa.
2012 a 2015
Ano
Homicídios Registrados pela SSP/PB
Inquéritos recebidos pela Justiça
Denúncias
Juris realizados
Percentual de
 Conde-
nações
 relativo aos homicídios registrados
         Qaunt.
Diferença relativa  aos Inquéritos recebidos
Quant.
Conde-nações
2012
518
261
270
+ 9
87
05
0,96%
2013
515
467
155
- 312
66
34
6,60%
2014
481
557
129
- 428
110
45
9,35%
2015
470
656
63
- 593
102
46
9,78%
Total
1.984
1.941
617
- 1.342
365
130
6,55%
       Fontes: Site da SSP/PB e Gerência de Sistema do Tribunal de Justiça da Paraíba
    Verificamos que a quantidade de Inquéritos referentes a homicídios remetidos à justiça nem sempre é igual à quantidade registrada desse tipo de crime uma vez que é comum a demora na remessa desses procedimentos em razão da necessidade de mais tempo para apuração do delito.  Assim nota-se que nos dois primeiros anos a quantidade de Inquéritos remetidos foi menor que a de crimes ocorridos. 
        Mas nos dois anos seguintes houve o inverso. Mesmo assim, no final do período em estudo, a Polícia Civil deixou de remeter à Justiça 43 Inquéritos sobre homicídios, o que é possível que seja feito no decorrer deste ano. De qualquer forma foram instaurados 1.984 Inquéritos em quatro anos, ou seja, uma média praticamente de 500 procedimentos por ano, o que representa um grande trabalho. 
         Fica evidenciado que deve ter ocorrido um esforço concentrado em 2014 e 2015, pois a quantidade de remessa de inquéritos nesses anos foi bem maior do que nos anos anteriores. Por exemplo, em 2014 a quantidade de Inquéritos remetidos foi mais de duas vezes a quantidade de remetida em 2012. É possível que alguma medida administrativa por parte da SSP/PB tenha contribuído para isso.
         Pois é, mesmo com todo esse esforço da Polícia Civil, verificamos um afunilamento na quantidade de Inquéritos remetidos à Justiça e a quantidade de denúncias deles decorrentes.
         Em 2012 foram feitas nove denúncias a mais do que a quantidade de Inquéritos recebidos no ano, o que deve ter sido resultado de acumulação de Inquéritos remetidos à Justiça e não analisados em anos anteriores. 
      Mas em 2013 dos 476 Inquéritos recebidos, foram feitas apenas 155 denúncias, ou seja, naquele ano 312 Inquéritos sobre homicídios foram devolvidos para diligências complementares ou arquivados, o que revela falta de elementos para formulação da peça que inicia a instrução criminal.
      No ano seguinte esse problema foi ainda mais grave, pois dos 557 Inquéritos sobre esse tipo de crime, apenas 129 ensejaram a formulação de denúncia. Portanto 428 procedimentos policiais foram arquivados, o que é muito raro em caso de homicídio, ou retornaram às Delegacias para cumprimentos de diligências complementares determinadas pelo Ministério Público.
     Em 2013 essa situação piorou ainda mais. Dos 656 Inquéritos apenas 63 tinham elementos suficientes para o Ministério Público elaborar a denúncia.  Portanto, só naquele ano, 593 Inquéritos foram devolvidos ou arquivados.
    Assim, dos 1.941 Inquéritos recebidos pela Justiça no período em análise, apenas 617 se transformaram em denúncia, o que equivale apenas a 33,5% dos procedimentos policiais. Portanto se chegou a um acúmulo de 1.342 Inquéritos arquivados ou devolvidos à Polícia Civil apenas no período de 2012 a 2015. Registre-se que aqui são tratados apenas os casos de homicídios. Nada indica que a situação nos anos anteriores fosse diferente.  
        Assim, é possível que a quantidade acumulada de Inquéritos sobre homicídios que foram devolvidos às Delegacias seja bem acima dos números aqui registrados.  
     Mas o afunilamento dos dados continua ao longo do processo de persecução criminal, como veremos a seguir.
    Em 2012, das 261 denúncias por crimes de homicídios, apenas 87 casos chegaram ao Tribunal do Júri.  Então devem ter ocorrido 174 casos de impronúncia, ou seja, reconhecimento pelo Juiz de que não havia provas suficientes para o caso ser encaminhado a Júri, ou o crime foi desclassificado, deixando de ser considerado homicídio, ou houve a absolvição sumária, que ocorre em casos de legítima defesa, por exemplo.
        Mas, o pior, dos 87 Júris realizados naquele ano, ocorreram apenas 5 condenações.  Portanto foram registradas 82 absolvições, o que quase sempre se dá por insuficiência de provas que deveriam ter sido produzidas ou iniciadas na fase policial, ou por reconhecimentos de excludentes de ilicitude.
      Essa situação em 2013 foi menos grave, pois das 155 denúncias apresentadas, 66 casos chegaram ao Júri, ou seja, houve 89 impronúncias. Mas o Júri absolveu 32 acusados e condenou 34 outros, ou seja, 51% dos réus.  Mesmo assim, naquele ano ocorreram 515 homicídios, ou seja, apenas 6,6% dos acusados foram condenados.
    As 129 denúncias formuladas em 2014 resultaram em 110 Júris, ou seja, ocorreram 19 casos de impronúncia o que foi a menor quantidade desses julgamentos do período em estudo.  O percentual de condenações no Tribunal do Júri naquele ano foi menor que o do ano anterior. Dos 110 julgamentos resultaram 45 condenações, o que equivale a 40,1%. Porém, dos 481 homicídios ocorridos no ano, apenas 45 acusados foram condenados, ou seja, 9,3%.
     Em 2015 a situação foi muito diferente dos anos anteriores. Foram formuladas apenas 63 denúncias, mas ocorreram 102 Júris, com 46 condenações, pelo que se conclui ter havido acúmulos de Júris referentes às denúncias de anos anteriores e a quantidade de impronúncia deve ter sito muito pequena.  O percentual de condenações foi de 45%. Mas quando se parte da quantidade de homicídios registrados, verificamos que apenas 9,78% dos acusados foram condenados.
    Em um panorama geral, observamos que dos 1.984 homicídios ocorridos na cidade de João Pessoa no período de 2012 a 2015, apenas 130 pessoas foram condenadas, o que representa 6,6% do total. Podemos concluir então que 93,4% dos casos, ou seja, 1.854 homicídios ocorridos nessa cidade nesse período ficaram impunes.
    Assim, a possibilidade de alguém cometer um homicídio e ser preso é muito pequena, o que pode ser um incentivo à prática de delitos, o que constitui a formação e o fortalecimento do sentimento de impunidade, uma das mais graves causas da criminalidade. Em relação aos crimes contra o patrimônio, ou de tráfego de drogas, por exemplo, a realidade ainda é pior.
     Em qualquer atividade humana as pessoas, de forma consciente ou não, costumam projetar as consequências de suas ações, o que em economia seria uma análise da relação custo/benefício. Com o pretenso infrator não pode ser diferente.
        E percebendo a realidade que aqui expomos, e com a qual ele convive de forma mais intensa, ele deve chegar a conclusão que o crime compensa. Eis a formação do sentimento de impunidade.
    O universo estudado foi a cidade de João Pessoa, mas em qualquer cidade de porte médio do país a realidade não é muito diferente. 
     Dos dados e fatos expostos verificamos que a base do problema é o Inquérito Policial. Se nele não forem produzidas ou iniciadas as provas necessárias para o indiciamento e denúncia não há como a instrução processual ser iniciada, e quando muito, o processo tem pouca possibilidade de chegar ao Júri. Por maior que seja o empenho e a competência do Ministério Público, não há como se produzir provas na instrução criminal se não houver elementos técnicos suficientes na peça policial.
       Às vezes quando o caso chega ao Júri, ainda pode ocorrer absolvição por insuficiência de provas.  E para a produção dessas provas na fase policial é preciso diligências, tecnologia, e disponibilidade de meios materiais e humanos em quantidade e qualidade apropriadas, além de forma de incentivo aos agentes policias. 
       E aí é onde está o cerne da questão.  Em João Pessoa, e nas demais cidades  de médio porte do Estado, a Polícia Civil não está devidamente aparelhada para investigar a quantidade de homicídios que vem ocorrendo no decorrer das três últimas décadas.
      A capacidade investigativa da Polícia Civil está aquém da sua necessidade, apesar do inquestionável esforço dos seus integrantes. O resultado é que, por imposição legal, os Inquéritos têm de ser feitos dentro de um prazo, decorrido o qual, com ou sem elementos suficientes para formulação da denúncia, são remetidos à justiça acarretando os problemas que aqui foram expostos.
     Pelo que consta nos noticiários, a maioria dos homicídios que vem ocorrendo em João Pessoa, nos últimos anos, são os chamados acertos de contas. Portanto, são crimes premeditados e que envolvem pessoas com antecedentes criminais e acobertadas pela cultura do medo o que impede a produção de provas testemunhais.  
       Dessa forma, a prova material torna-se ainda mais valiosa, o que exige um melhor preparo técnico da polícia, e a disponibilidade de recursos mais sofisticados.
     Nesses crimes, também pelo que consta na mídia, as vítimas e acusados são pessoas envolvidas em outros tipos de delitos, em particular o tráfego de drogas e os crimes contra o patrimônio. Portanto, combater esse tipo de homicídio, através de ações mais eficientes que levem seus autores à justiça, quebrando o círculo da impunidade, por certo é uma forma de prevenção dos crimes a que esses autores estão associados.
   Para reduzir esse crescente sentimento de impunidade é preciso, pois, que o Governo dote a Polícia Civil dos meios indispensáveis a torna-la mais capacitada para as atividades investigativas.  É verdade que essa não é uma medida que possa ser colocada em prática em curto prazo. Mas urge a adoção de medidas imediatas, ao menos paliativas, sob pena de continuarmos alimentando o sentimento de impunidade, uma causa concreta da violência, em particular um incentivo à pratica de homicídios. 
Veja também
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2 Comentários em "A impunidade nos crimes de homicídios: Fator de aumento da violência na cidade de João Pessoa"

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Onivan Elias
Visitante

Comandante, excelente pesquisa. Aponta para a direção de mudança urgente no sistema de justiça criminal no estado e até mesmo no Brasil! Parabéns

coronel batista
Visitante

Obrigado amigo. Espero que esses dados ajudem na reflexão sobre as causas do aumento da criminalidade em nossa cidade.